domingo, 25 de abril de 2010

Ainda lembro dos campos, dos vendedores de mel, do Tietê semi-limpo, dos carás e lambaris, das garças e saracuras, sabiás e bem-te-vis, que embalavam a ternura do pequeno São Miguel.Das turminhas, da capela, da missa pelas manhãs, do cinema às tardes belas, juntinho da namorada, do futebol lá no clube, do grito na arquibancada, do delírio imaginário de um gol no Maracanã.São Miguel era pureza, era tudo ou quase nada, nos sonhos e emoções, sem calçamento nas ruas, de portões escancarados e da majestosa Lua que brilhava quase nua, enfeitando a madrugada.Das viagens pelos trilhos na negra "Maria-fumaça", cortando longas distâncias de "Mogi" até o "Brás", nas estradas perfumadas por lírios e manacás, do casteluche vizinho, destilando a doce cachaça.Do forno e fogão a lenha, logo cedo a produzir o chouriço temperado, para a Penha e Terezinha, de contornos delicados, correndo nas ruazinhas, sorrindo pelas janelas da singela Vila Nair.Do meu velho trabalhando na "Nitro" enfumaçada pelo enxofre e pela soda, invadindo as moradias, dos tijolos produzidos nas humildes olarias, dos burros puxando barro nas várzeas inexploradas.Dos pescadores na balsa, aguardando a travessia na expectativa de o rio oferecer alimento, da bandinha "furiosa" tocando a todo o momento, no jardim, o lambe-lambe moldando a fotografia. Das escolas agrupadas, da professora Vitória, que requintava a tabuada e aprimorava a leitura dos coleginhas de classe, das meninas de alma pura, são cenas marcantes que não saem da memória.Foi assim que vi crescer em São Miguel o progresso, dos tempos dos lampiões às luzes tão reluzentes, do chão batido ao asfalto queimando nos pés da gente, das modestas moradias às grandes vias de acesso.Do nordestino chegando nos famosos "paus-de-arara", construindo as residências de estadistas e empresários, do jardim cheio de vida e agora tão solitário, é com saudade que eu digo: - pena que o tempo não pára. Hoje a chuva vem molhar as minhas desilusões, lembranças que em minha memória jamais irão se apagar, pois meus olhos com a chuva não se cansam de chorar ao ver no passado o meu bairro de belas recordações. /Edson Lopes história publicada em 26/11/2009