domingo, 29 de março de 2009

DE QUEM AMA O BRASIL !

'Estou velho.Não gosto dos sem terra. Dizem que isto é ser reacionário, mas não gosto de vê-los invadindo fazendas, parando estradas, ocupando linhas de trens, quebrando repartições públicas, tentando parar o lento progresso do Brasil. Estou velho.Não acredito em cotas para negros e índios. Dizem que sou racista. Mas para mim racista é quem julga negros e índios incapazes de competir com os brancos em pé de igualdade. Eu acho que a cor da pele não pode servir de pretexto para discriminar, mas também não devia ser fonte para privilégios imerecidos, provocando cenas ridículas de brancos querendo se passar por negros. Estou muito velho. Não quero ouvir mais noticias de pessoas morrendo de dengue. Tapo os ouvidos e fecho os olhos, mas continuo a ouvir e ver. Não quero saber de crianças sendo arrastadas em carros por bandidos, ou de uma menininha jogada pela janela em plena flor de idade. Ou de menino esquartejados pelos pais por serem 'levados'... Meu coração não tem mais força para sentir emoções. Me sinto mais velho que o Oscar Niemeyer. Ele, velho como é, ainda acredita em comunismo, coisa que deixou de existir. Eu não acredito em nada. Estou cansado de quererem me culpar por não ser pobre, por ter casa, carro, e outros bens, todos adquiridos com honestidade, por ser amado por minha mulher e filhos. Nada mais me comove... Estou bem envelhecido. E acabo de cometer mais um erro! Descobri que ainda sou capaz de me comover e de me emocionar. O patriotismo de uma jovem de Joinville usando a letra do Hino Nacional para mostrar o seu amor pelo Brasil me comoveu. Na cidade de Joinville houve um concurso de redação na rede municipal de ensino. O título recomendado pela professora foi: 'Dai pão a quem tem fome'. Incrível, mas o primeiro lugar foi conquistado por uma menina de apenas 14 anos de idade. E ela se inspirou exatamente na letra de nosso Hino Nacional para redigir um texto, que demonstra que os brasileiros verde amarelos precisam perceber o verdadeiro sentido de patriotismo. Leiam o que escreveu essa jovem. É uma demonstração pura de amor à Pátria e uma lição a tantos brasileiros que já não sabem mais o que é este sentimento cívico.' Certa noite, ao entrar em minha sala de aula, vi num mapa-mundi, o nosso Brasil chorar: O que houve, meu Brasil brasileiro? Perguntei-lhe! E ele, espreguiçando-se em seu berço esplêndido, esparramado everdejante sobre a América do Sul, respondeu chorando, com suas lágrimas amazônicas: Estou sofrendo. Vejam o que estão fazendo comigo... Antes, os meus bosques tinham mais flores e meus seios mais amores. Meu povo era heróico e os seus brados retumbantes. O sol da liberdade era mais fúlgido e brilhava no céu a todo instante. Onde anda a liberdade, onde estão os braços fortes? Eu era a Pátria amada, idolatrada. Havia paz no futuro e glórias no passado. Nenhum filho meu fugia à luta. Eu era a terra adorada e dos filhos deste solo era a mãe gentil. Eu era gigante pela própria natureza, que hoje devastam e queimam, sem nenhum homem de coragem que às margens plácidas de algum riachinho,tenha a coragem de gritar mais alto para libertar-me desses novos tiranos que ousam roubar o verde louro de minha flâmula. Eu, não suportando as chorosas queixas do Brasil, fui para o jardim. Era noite e pude ver a imagem do Cruzeiro que resplandece no lábaro que o nosso país ostenta estrelado. Pensei... Conseguiremos salvar esse país sem braços fortes? Pensei mais... Quem nos devolverá a grandeza que a Pátria nos traz? Voltei à sala, mas encontrei o mapa silencioso e mudo, como uma criança dormindo em seu berço esplêndido.' Mesmo que ela seja a ultima brasileira patriota, valeu a pena viver para ler o texto. Por isso estou enviando para vocês. Detesto correntes na Internet...mas agora que me tornei um velho emocionado, vou romper com este hábito. De alguém que ama muito o Brasil.' /AD

sábado, 28 de março de 2009

NÃO PERTURBE ! ( http://www.procon.sp.gov.br )

A Fundação Procon-SP disponibilizou nesta sexta-feira, 27 de março, canal em seu site para o consumidor se inscrever no “Cadastro para Bloqueio do Recebimento de Ligações de Telemarketing” , conforme estabelecido pela Lei 13.226/08, regulamentada pelo Decreto Estadual 53.921/08.O consumidor já pode cadastrar, sem custo, números de telefones fixo ou móvel, do Estado de São Paulo, que estiverem em seu nome. Após 30 dias da inscrição, as empresas ficam proibidas de ligar, a não ser que tenham autorização por escrito (o padrão para essa autorização também está disponível no site).“A legislação fortalece o poder de escolha do consumidor. Quem não deseja receber ofertas de produtos e serviços agora passa a ter a opção de não ser incomodado em seus telefones. Já quem gosta não precisa fazer o cadastro”, salienta o diretor-executivo da Fundação Procon-SP, Roberto Pfeiffer.No espaço disponibilizado pela fundação, o consumidor (pessoa física ou jurídica) poderá, além de bloquear ou desbloquear linhas telefônicas, registrar reclamação contra alguma empresa que tenha desrespeitado o bloqueio. Nesse caso, as punições previstas são de acordo com o artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor.As empresas de telemarketing, por sua vez, terão um ícone para se cadastrar e, assim, poder consultar os números dos consumidores que não desejam receber ligações – os demais dados serão mantidos sob sigilo. As empresas de outros estados também ficam proibidas de efetuar ligações para os números bloqueados.O Procon-SP elaborou um folder contendo algumas perguntas e respostas visando a um melhor esclarecimento do funcionamento deste cadastro e, também, um passo a passo de como o consumidor poderá acessar e cadastrar seu telefone. Este material estará disponível no site e nos postos de atendimento pessoal do órgão. / "Procure ser um homem de valor, em vez de procurar ser um homem de sucesso" Albert Einstein

O ILUSIONISTA !

Mágicos e ilusionistas me fascinam. E existe uma diferenciação entre eles. Mágicos seriam os profissionais que fazem truques usando o mínimo de auxílio externo. Ilusionistas seriam o oposto. Aqueles shows sofisticados, cheios de iluminação, fumaça, traquitanas, belas ajudantes, elefantes, caminhões e explosões são coisa de ilusionistas. Mas tanto o mágico como o ilusionista só são bem sucedidos quando conseguem comandar nossa atenção. É aí que está o truque: comandar nossa atenção.Enquanto focamos a atenção na fumaça, nos espelhos, na ajudante, no gesto largo, na capa vermelha ou na varinha mágica o ilusionista e o mágico realizam o truque que nos deixa maravilhados.Atenção é o nome do jogo. É a partir dela que eles conseguem trabalhar nossas sensações e percepções. Quando não conseguimos prestar atenção a alguma coisa, essa coisa não fica gravada em nossa memória. E o ilusionista aproveita...Foi o filósofo grego Platão que lançou cerca de 2500 anos atrás as bases da Epistemologia, a teoria do conhecimento. Ele disse que o que nós conhecemos não é o mundo físico, mas sua versão organizada, estruturada e categorizada por nossa mente.Antes de perceber qualquer coisa nossas mentes precisam assimilar e interpretar os dados brutos que chegam através de nossos sentidos. É a partir do som que ouvimos, da imagem que observamos, do texto que lemos, do cheiro que sentimos, da textura apreciada por nossos dedos que nosso cérebro fará deduções. Cruzará esses dados com nossas memórias e experiências novas e passadas para colocar algum sentido nas coisas que acontecem ao nosso redor. E antes de ter alguma utilidade para nós esse processo de interpretar o mundo passa por estados de consciência e semi-consciência. Mas o mais importante: o processo depende em grande parte do que temos dentro de nossa cachola. De nosso repertório. Do que aprendemos com nossas experiências. Quanto mais repertório, experiências, cruzamentos e deduções, mais refinada será nossa interpretação do mundo.Se você só lê a revista Caras, frequenta a baladinha e assiste o BBB, terá um limitado repertório para entender o mundo. O mesmo acontece com seu linguajar. Se você não lê, não conseguirá expressar seus argumentos naquela reunião, diante daquele cliente ou da pessoa amada.Simples, né?Agora imagine o mundo de hoje, repleto de “ilusionistas” (atenção: aspas!) usando cores, explosões, cheiros, luzes e formas para atrair nossa atenção. Nesse mundo, bundas vendem cerveja. Carrões vendem cigarros. Manchetes vendem remédios para aquela doença que você nem sabia que existia. E que agora sabe... Nesse mundo, quem promete o céu no futuro ganha a permissão para apagar o passado e cometer barbaridades no presente. Nesse mundo um “ilusionista” faz com que vejamos a realidade - e tomemos as decisões - que ele quiser.Para escapar dos “ilusionistas” não existe mágica. É preciso ampliar seu repertório para fazer reflexões mais ricas, comparações mais diversificadas e julgamentos mais adequados. Caso contrário você vai continuar perplexo com planos espetaculares que não existem, se divertindo com a pomba que sumiu, com a mulher cortada ao meio e o com o coelho que saiu da cartola.Mas jamais perceberá quando eles baterem sua carteira. /do colega Luciano Pires

LULA FALA DOS "BRANCOS DE OLHOS AZUIS" RESPONSÁVEIS PELA CRISE... MAS QUAIS NEGROS LIDERAM SUA EQUIPE ECONÔMICA?

Não acho que foi populismo. Pra variar, foi pura cagada, mesmo. Aquele negócio de falar sem prestar atenção e, depois, tentar consertar sem saber direito como proceder. Daí, diante da impossibilidade, o escorregão se transforma em frase de efeito - com apoio da claque e da manada. Foi assim: o presidente diz que a culpa da crise foi dos loiros de olhos azuis. E emendou dizendo que "não conhece nenhum banqueiro negro ou índio" - bom, eu conheço vários que são árabes, judeus, orientais, indianos etc. Nenhum deles são "loiros de olhos azuis". Mas não adianta discutir dessa forma, pois... Bom, é o Lula. Então vamos ao que interessa. Quantos negros - mas negros, mesmo - há na equipe econômica do governo brasileiro? Não estou falando de ministérios figurativos, secretarias especiais ou órgãos criados para fazer média. Peças-chave, cargos importantes, canetas decisórias. Quantos? Na chefia de Ministérios, mesmo...? NENHUM! Lula poderia salvar-se de sua bravata enumerando seus assessores econômicos negros, todos com posição de destaque. Não seria uma maneira definitiva de calar a boca de todo o mundo? Duro, mesmo, é apontar um branco - e tucano! - dirigindo o Banco Central; o segundo italiano seguido no Ministério da Fazenda, outro branco (depois de mais um) no BNDES e assim por diante. Fora o colega de partido na Petrobras. Negro, mesmo, nenhum. Só espero que nenhum comentarista apareça dizendo que a contratação de brancos está dentro das "especificações técnicas" - como fizeram quando falei do Aerolula, ocasião em que defenderam a compra do Airbus (já que Lula exigia fazer vôos continentais num avião imenso para caber todo mundo). É essa, enfim, a diferença entre o discurso e a prática. Somos um país de talvez maioria negra, ou mestiça, sei lá. E um presidente que NÃO TOMOU ATÉ HOJE QUALQUER MEDIDA PRÁTICA CONTRA A CRISE (que, em princípio, chamou de "marolinha"). Agora, põe a culpa nos "brancos de olhos azuis", sem ter UM ÚNICO NEGRO EM POSIÇÃO DE LIDERANÇA EM SUA EQUIPE ECONÔMICA. Muita cara-de-pau. / Luciano Pires

quinta-feira, 19 de março de 2009

BOAS NOTÍCIAS PARA SÃO MIGUEL PAULISTA !

Nesta terça feira, dia 17 de março de 2009 o vereador Ricardo Teixeira, o Sub-Prefeito de São Miguel Paulista Dr. Diógenes, Jornalista Gilberto Travesso e o Empresário Antonio Edson, carinhosamente conhecido como Toninho do Churrasco estiveram caminhando pelas Ruas do Bairro, conversando com as lideranças, empresários e moradores para tomar conhecimento das melhorias a serem feitas. Começando pela Praça conhecida como Praça das Noivas, localizada na Rua Américo Gomes da Costa, entre a escola Arquiteto Luis Saia e o 22 Distrito Policial no Coração de São Miguel Paulista. O motivo da visita foi a construção de uma baia ao lado da Escola, para a parada das VANS ESCOLARES facilitando o embarque e desembarque, com mais segurança dos alunos que ali estudam, uma reivindicação antiga dos moradores e da Imprensa Local, mas agora com o Sub-Prefeito Dr. Diógenes e o Vereador Ricardo Teixeira finalmente vai acontecer. A outra notícia boa vai ser a Revitalização desta Praça, O Dr. Diógenes em reunião com a Curadora do Estado a Dra. Ana Cristina Carvalho vão Transformar a Praça num verdadeiro Pólo Cultural homenageando os imigrantes, que participaram intensamente do Progresso e o Desenvolvimento do Bairro de São Miguel Paulista, quando aqui chegaram na Década de 30 para trabalharem na Cia.Nitro Química. O vereador Ricardo Teixeira entrará com um Projeto na Câmara Municipal pedindo um nome oficial para a Praça, Muitas outras benfeitorias serão realizadas aqui em São Miguel Paulista enfatizou o Dr. Diógenes. /Roger lapan


terça-feira, 17 de março de 2009

AOS 105 ANOS DE IDADE, VIRGEM MAIS VELHA DO MUNDO DIZ QUE SEXO ENVELHECE !

Secretária aposentada diz que nunca teve 'tempo' de pensar em sexo. Além de virgem, ela diz nunca ter tido um aparelho de televisão. Nascida em Glasgow, na Escócia, no início do século XX, ela acredita que o segredo da vida longa é nunca ter feito sexo. "Sexo envelhece", acredita. "Tive várias amizades platônicas, mas nunca senti a vontade de ir mais longe, ou mesmo de casar", afirma Clara, que já viveu no Canadá e na Nova Zelândia, e há 40 anos mora na Cornualha, região sudoeste da Inglaterra. Para ela, o sexo sempre foi algo "complicado", que atrapalharia sua vida. "Eu sempre estava ocupada fazendo outras coisas, e nunca tive tempo de pensar em sexo", explica. "Quando eu era criança, só era possível fazer sexo com seu marido. E eu nunca me casei. Cresci em uma era na qual as crianças - principalmente do sexo feminino - não eram vistas e nem ouvidas pela sociedade, por isso tive que aprender por mim mesma a me defender e me sustentar", diz a ex-secretária, em entrevista ao diário britânico 'Telegraph'. Além de nunca ter tido relações sexuais, Clara conta que nunca teve uma televisão, mas sempre foi "apaixonada" por ouvir rádio. /Do G1, em São Paulo

segunda-feira, 16 de março de 2009

O MELHOR DA NET !

SE A ATIVIDADE POLICIAL VIROU UM COMÉRCIO, DE ONDE SERÁ QUE VEM O LUCRO ?

Na semana passada, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Ronaldo Marzagão, pediu demissão. Caiu desgastado com as denúncias de que seu ex-adjunto, Lauro Malheiros Neto, vendia por até R$ 300 mil cargos de delegados no Estado mais rico do País. Se era esse o preço do pedágio para comandar um alto comissariado de polícia paulista, como se daria o "retorno do investimento"? Comércio de algemas? Venda de proteção? Chantagem? Apropriação parcial das cargas ou das drogas apreendidas em ações policiais? Embora Marzagão negue as denúncias, há imagens em vídeo de Malheiros expondo uma espécie de tabela de preços - e as seccionais de bairros mais nobres, aparentemente, eram mais caras. Embora a crise tenha sido rapidamente solucionada, ficou feio para o governo de José Serra. Também na semana passada, o delegado federal Protógenes Queiroz, que se converteu em celebridade nacional, foi indiciado pela própria Polícia Federal. Caiu acusado de compartilhar ilegalmente dados sigilosos da Operação Satiagraha com dezenas de homens da Agência Brasileira de Inteligência. Pelo que a corregedoria da PF apurou, sabe-se que vários escritórios particulares de espionagem também participaram da ação, mas ainda não se fez uma pergunta básica. Se tanta gente de fora dos quadros da polícia foi mobilizada, quem pagou pelos serviços dos detetives? De onde veio o patrocínio privado da causa? Certamente, não do bolso do delegado. Histórias de homens da lei que se convertem em criminosos não são raridade no País. No ano passado, Álvaro Lins, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, foi preso, acusado por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e facilitação do contrabando. Na própria Polícia Federal, cuja eficiência tem sido tão alardeada pelo governo nos últimos anos, dezenas de policiais respondem a inquéritos internos por desvios graves de conduta. E um dos primeiros sambas da história brasileira, a canção Pelo telefone, de Donga, já dizia que o "chefe da polícia" avisava aos malandros de outrora onde era possível jogar uma roleta em paz. Diante disso, caem por terra os argumentos de que o Brasil estava à beira de mergulhar num Estado policial. Na verdade, está onde sempre esteve - num lamaçal em que todas as sinecuras do Estado, inclusive as delegacias, geram seu próprio fundo de comércio. Ao que parece, bastante rentável. /Leonardo Attuch Isto é - 23/03/2009

O MELHOR DA NET !

DEZ PERGUNTAS AOS SINDICALISTAS !

Recentemente li um texto escrito pelo Professor Helder Molina, Mestre em Educação e Educador Sindical, intitulado ''Concepções e Práticas Sindicais''. Baseado nessa leitura, resolvi levantar algumas perguntas para que os sindicalistas reflitam sobre a atuação que desenvolvem no movimento sindical.Evidentemente que com essas perguntas não tenho a pretensão de, ao respondê-las, obter uma avaliação completa da atividade sindical, mas tenho a convicção de que podem contribuir para uma reflexão sobre as práticas que têm sido desenvolvidas pelos sindicalistas, no cotidiano de uma entidade sindical. Essa reflexão é fundamental porque permite uma avaliação de questões que interferem significativamente no cumprimento do papel que as entidades sindicais devem exercer. Eis as perguntas:1. Os novos diretores e as novas diretoras recebem informações adequadas sobre os processos internos de funcionamento da entidade sindical, da cultura interna, do funcionamento burocrático, do papel que devem desempenhar, da história do sindicato, da federação, da confederação e da central sindical? Ou passam a participar das diretorias sem essas importantes informações?2. Os diretores e as diretoras da entidade sindical participam de um processo de formação política e sindical - que inclui cursos, palestras, seminários , debates, estudos individuais e ou em grupos - sobre temas de interesse do movimento sindical, tais como História do Movimento Sindical , Concepções Sindicais, Transformações do Mundo do Trabalho e Análise da Conjuntura?3. Nas reuniões de diretoria, há um tempo determinado para debate sobre temas da conjuntura política, econômica e social, sobre a avaliação da correlação de forças? Ou a reunião é destinada pincipalmente para debater sobre a administração da máquina sindical , apresentando-se rapidamente alguns relatos sobre fatos que ocorrem na Conjuntura?4. Os diretores e as diretoras leem jornais e revistas , refletindo, comparando , analisando além das aparências? Ou geralmente não leem e, quando leem, simplesmente aceitam passivamente a visão parcial e deturpada da grande imprensa? Leem livros constantemente sobre temas de interesse sindical e político?5. Os diretores e as diretoras trabalham no sentido de democratizar as relações sindicais, ou se comportam como ''mini-monarcas'' no '' pequeno pedaço'' que dominam , desenvolvendo práticas mandonistas e burocratizantes?6. Os diretores e as diretoras visitam as empresas constantemente para estabelecer contatos com os trabalhadores, procurando ouvi-los e, ao mesmo tempo, estimulando-os à sindicalização, à participação nas atividades sindicais e à org anização por local de trabalho? As demandas apresentadas pela base são objeto de debate no sentido da entidade apresentar propostas objetivas e viáveis que possibilitem o envolvimento dos trabalhadores e trabalhadoras nas lutas desenvolvidas pela categoria? Ou a base é tratada como massa de manobra, equivocada, ignorante e que, portanto não tem condições para opinar com qualidade?7. A diretoria da entidade tem possibilitado que os trabalhadores e as trabalhadoras se expressem o mais democraticamente possível, encaminhando as decisões tomadas pela maioria? Ou a diretoria, em geral, comporta-se olhando de cima para baixo, dando ordens para que a categoria as cumpram?8. As ações da entidade são planejadas estrategicamente, têm governabilidade, são planejadas a curto, médio e longo prazo, têm objetivos e metas definidas, estão baseadas no que é tático, provisório e passageiro e, simultaneamente, no que é estratégico, princípio e permanente? Ou as ações são sempre de apagar os incêndios , de ''correr atrás dos prejuízos'', sem que haja planejamento adequado?9. Os diretores e as diretoras da entidade fazem uma avaliação constante do trabalho que desenvolvem? Refletem sobre a prática, avaliando o crescimento que estão tendo, se estão produzindo adequadamente no sentido da construção de uma sociedade justa e democrática? Tratam os funcionários da entidade com todo o respeito que os trabalhadores e as trabalhadoras merecem? Conseguem trazer novos militantes para a atividade sindical? Têm,na prática, atitudes que visam a renovação dos quadros sindicais? Ou, ao contrário, já estão acomodados naquela função repetitiva, sem motivação para ações mais consequentes, despolitizando as lutas,ficando aprisionados ao corporativismo imediatista , tendo medo que trabalhadores e trabalhadoras da base possam vir a ocupar seus lugares?10. Ao montar a chapa para concorrer à próxima eleição da entidade, prevalece um clima de camaradagem, procurando sempre colocar nos cargos companheiros e companheiras que tenham melhores condições para exercê-los, com melhor capacidade , preparação ideológica, dedicação, representação na categoria? Ou prevalece um clima de hostilidade, de disputa desenfreada pelos cargos, de ataques pessoais muitas vezes injustos, desperdiçando enormes energias políticas e esgarçando os tecidos de relacionamento das lideranças?Estas perguntas não devem ser respondidas de maneira simplista do sim ou não. Elas exigem uma reflexão mais aprofundada. São questões que precisam ser enfrentadas pelos sindicalistas, sobretudo por aqueles que pretendem que as entidades sejam instrumentos importantes na luta econômica por melhores condições de salário e de trabalho, na luta política pela transformação profunda da sociedade e na luta ideológica contra os valores das classes dominantes.Os problemas relacionados à estruração interna das entidades não devem consumir toda a energia e tempo dos sindicalistas, impedindo-os de participar das lutas mais gerais dos trabalhadores.Quando esses problemas forem verdadeiramente enfrentados as entidades terão melhores condições para exercer seu papel de contribuir na articulação de um movimento sindical forte e democrático, tão necessário nesse momento conjuntural que o país atravessa. /Augusto César Petta, professor e coordenador- técnico do Centro de Estudos Sindicais (CES).

domingo, 15 de março de 2009

EU TORÇO PARA O BRASIL DAR CERTO !

O Presidente da República se queixa que tem gente torcendo para o governo dele dar errado. Infelizmente faz uma extrapolação exorbitante e delira na direção antiga e tradicional, tornada célebre por Louis XVI – “L’Estat ces’t moi!” – de que “meu governo é o meu país, portanto torcer contra o tipo de coisa que eu faço é torcer contra o Brasil”, quando é precisamente o contrário.Torço contra o governo neoliberal e direitista de Lula por coerência ideológica: quero que o Brasil dê certo! Enquanto Lula estiver acertando tanto na economia, beneficiando o grande capital especulativo internacional enquanto, na política interna, tiver a apresentar única e exclusivamente realizações de cunho assistencialista pequeno e localizado eu tenho de torcer para esse treco dar errado. Enquanto Lula mantiver juros na estratosfera, fizer superávits primários capazes de fazer o FMI chamar a atenção por estar escorchando demais o próprio povo a ponto de ameaçar paralisar a economia, eu tenho de torcer para o governo dele dar errado. Enquanto sobrar dinheiro para enviar aos lucros exorbitantes dos grandes especuladores e faltar para salários, educação, saúde, segurança e vigilância sanitária, eu tenho de torcer para dar errado! Enquanto o governo Lula, em síntese, estiver acertando tanto para quem sempre foi privilegiado e conseguir ampliar o fosso entre os pouquíssimos mais ricos e os numerosos e cada vez mais pobres, eu torço para que dê errado mesmo! Quem é patriota, lúcido e coerente, torce pelo Brasil. Torce pelos trabalhadores do Brasil. Portanto, torce contra o governo Lula. Custa a crer que, após longos anos governando com e para a elite, haja seres humanos acreditando que Lula tenha alguma coisa a ver com os interesses genuínos da Classe Trabalhadora. Uma coisa é o governo de Lula e do PT. Outra totalmente diferente é o interesse real das pessoas reais, que vivem, amam e trabalham neste país. /Lázaro Curvêlo Chaves

O VALOR DAS PEQUENAS COISAS !

Em cada indelicadeza, assassino um pouco aqueles que me amam. Em cada desatenção, não sou nem educado, nem cristão. Em cada olhar de desprezo, alguém termina magoado. Em cada gesto de impaciência, dou uma bofetada invisível nos que convivem comigo. Em cada perdão que eu negue, vai um pedaço do meu egoísmo. Em cada ressentimento, revelo meu amor-próprio ferido. Em cada palavra áspera que digo, perdi alguns pontos no céu. Em cada omissão que pratico, rasgo uma folha do evangelho. Em cada esmola que eu nego, um pobre se afasta mais triste. Em cada oração que não faço, eu peco. Em cada juízo maldoso, meu lado mesquinho se aflora. Em cada fofoca que faço, eu peco contra o silêncio. Em cada pranto que enxugo, eu torno alguém mais feliz. Em cada ato de fé, eu canto um hino à vida. Em cada sorriso que espalho, eu planto alguma esperança. Em cada espinho, que finco, machuco algum coração. Em cada espinho que arranco, alguém beijará minha mão. Em cada rosa que oferto, os anjos dizem: Amém! /Roque Schneider

CARTA DE UM PAI AO FILHO !

Amado Filho, O dia em que este velho já não for o mesmo, tenha paciência e me compreenda. Quando eu derramar comida sobre minha camisa e esquecer como amarrar meus sapatos, tenha paciência comigo e se lembre das horas que passei te ensinando a fazer as mesmas coisas. Se quando conversa comigo, repito e repito as mesmas palavras e sabes de sobra como termina, não me interrompas e me escute. Quando era pequeno, para que dormisse, tive que contar-lhe milhares de vezes a mesma estória até que fechasse os olhinhos. Quando estivermos reunidos e, sem querer, fizer minhas necessidades, não fique com vergonha e compreenda que não tenho a culpo disto, pois já não as posso controlar. Pensa quantas vezes quando menino te ajudei e estive pacientemente a seu lado esperando que terminasse o que estava fazendo. Não me reproves porque não queira tomar banho; não me chames a atenção por isto. Lembre-se dos momentos que te persegui e os mil pretextos que tive que inventar para tornar mais agradável o seu banho. Quando me vejas inútil e ignorante na frente de todas as coisas tecnológicas que já não poderei entender, te suplico que me dê todo o tempo que seja necessário para não me machucar com o seu sorriso sarcástico. Lembre-se que fui eu quem te ensinou tantas coisas.Comer, se vestir e como enfrentar a vida tão bem com o faz, são produto de meu esforço e perseverança. Quando em algum momento, enquanto conversamos, eu chegue a me esquecer do que estávamos falando, me dê todo o tempo que seja necessário até que eu me lembre, e se não posso fazê-lo não fique impaciente; talvez não fosse importante o que falava e a única coisa que queria era estar contigo e que me escutasse nesse momento. Se alguma vez já não quero comer, não insistas. Sei quando posso e quando não devo. Também compreenda que, com o tempo, já não tenho dentes para morder, nem gosto para sentir. Quando minhas pernas falharem por estarem cansadas para andar, dá-me sua mão terna para me apoiar, como eu o fiz quando começou a caminhar com suas fracas perninhas. Por último, quando algum dia me ouvir dizer que já não quero viver e só quero morrer, não te enfades. Algum dia entenderás que isto não tem a ver com seu carinho ou o quanto te amei. Trate de compreender que já não vivo, senão que sobrevivo, e isto não é viver. Sempre quis o melhor para você e preparei os caminhos que deve percorrer. Então pense que com este passo que me adianto a dar, estarei construindo para você outra rota em outro tempo, porém sempre contigo. Não se sinta triste, enojado ou impotente por me ver assim. Dá-me seu coração, compreenda-me e me apóie como o fiz quando começaste a viver. Da mesma maneira que te acompanhei em seu caminho, te peço que me acompanhe para terminar o meu.Dê-me amor e paciência, que te devolverei gratidão e sorrisos com o imenso amor que tenho por você. Atenciosamente, Teu Velho. /Levi da Silva Barreto

A ÁGUA NO MUNDO !

Vou correndo, como se isso me fizesse escapar dos pingos da chuva que se inicia. Menos tempo na chuva, pode ser ilusório, mas tenho a impressão de que ficarei menos molhado, de que chegarei menos ensopado. Com o canto do olho observo o senhor que com a mangueira termina de limpar a calçada, mesmo sabendo que a chuva há de modificar todo o cenário nos próximos instantes. Ou vai trazer de volta toda a sujeira que ele está tirando ou vai lavar outra vez o que ele acabou de lavar. A água que cai do céu cai purinha, purinha, é o que penso enquanto corro dela. A água que cai do céu. Lembro-me do livro da Camille Paglia em que ela afirmava, ou pelo menos foi o que me recordo de ter dali subtraído, que o homem havia optado por viver em grupo por temor aos fenômenos naturais: chuvas, clima, terremotos etc. Foi preciso se unir contra as forças da natureza. As forças amorais na natureza. Quando passa um furacão levando tudo, bons ou os maus, estão todos ameaçados. Quando chove muito e tudo começa a inundar, anjos e demônios poderão estar, em breve, igualmente submersos. Quando a água falta, senhores e escravos morrem da mesma sede. Há forças mais poderosas que a maldade humana. Os destinos turísticos são, em sua maioria, lugares interessantes por causa da água. Praias, lagos, rios, cachoeiras: somos naturalmente atraídos pela água. A simples vista para o mar ou rio já torna um ambiente mais interessante. Parece óbvio o que digo mas se levarmos em conta que grande parte do planeta é tomado por água isso passa a ser, sim, digno de nota: vivemos em meio a tanta água e ainda somos tão fascinados por ela! Nosso organismo é também, em sua maior porção, água. Somos água, viemos da água, para a água voltaremos e, enquanto tivermos como aproveitar a vida, queremos fazê-lo perto de alguma fonte de água límpida, na beira de um rio ou mar. Navegando, que seja. Queremos água. Vivemos, porém, sob o alerta de que a água pode acabar. É preciso economizar. Parece absurdo pois a água é absolutamente indestrutível! Se você toca fogo ela vira fumaça e depois volta a ser água, se congela ela derrete e volta a ser água, seja lá o que se faça com ela, a água volta a ser água depois de um tempo, pura e cristalina. E na mesma quantidade! Pois é. Mas pode voltar salgada. Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar? O prejuízo maior que a água pode sofrer é a poluição. Uma vez poluída a água pode demorar muitos anos para voltar ao seu estado natural, potável, como os pingos da chuva lá do início. Volto ao início e ao senhor que tentava varrer uma folha de árvore, pequenina, da porta de seu prédio, segundos antes da chuva começar. Quantos litros de água pura ele desperdiçava naquela tarefa imbecil? Não seria mais fácil varrer a folhinha ou pegá-la com a mão? Aquela água correria para o bueiro e se juntaria ao esgoto cheio de substâncias químicas e de lá iria parar sabe-se lá onde, mas, poluída, demoraria um tempo enorme para voltar para o reservatório d'água da cidade. Este tempo é que pode ser o suficiente para uma cidade entrar em caos por não ter o que beber. A água não vai "acabar" nunca, mas talvez, um dia, não possamos usufruir dela onde e como gostaríamos. Talvez as grandes desgraças naturais não nos metam tanto medo porque o que nos vai derrotar mesmo sejam as folhinhas nas calçadas. Aguadas de estupidez. /Leo Jaime.

LIVRO DAS VIRTUDES !

“Se a virtude pode ser ensinada, como creio, é mais pelo exemplo do que pelos livros. Então, para que um tratado das virtudes? Para isto, talvez: tentar compreender o que deveríamos fazer, ou ser, ou viver, e medir com isso, pelo menos intelectualmente, o caminho que daí nos separa. Tarefa modesta, tarefa insuficiente, mas necessária. Os filósofos são alunos (só os sábios são mestres), e alunos precisam de livros; é por isso que eles às vezes escrevem livros, quando os que têm à mão não os satisfazem ou sufocam. Ora, que livro é mais urgente, para cada um de nós, do que um tratado de moral? E o que é mais digno de interesse, na moral, do que as virtudes? Assim como Spinoza, não creio haver utilidade em denunciar os vícios, o mal, o pecado. Para que sempre acusar, sempre denunciar? É a moral dos tristes, e uma triste moral. Quanto ao bem, ele só existe na pluralidade irredutível das boas ações, que excedem todos os livros, e das boas disposições, também elas plurais, mas sem dúvida menos numerosas, que a tradição designa pelo nome de virtudes, isto é (este é o sentido em grego da palavra arete, que os latinos traduziram por virtus), de excelências. ABAIXO AS 19 VIRTUDES DO SER HUMANO, LEIA COM CARINHO,André Comte-Sponville

sábado, 14 de março de 2009

O AMOR !

O sexo e o cérebro não são músculos, nem podem ser. Disso decorrem várias conseqüências importantes, das quais esta não é a menor: não amamos o que queremos, mas o que desejamos, mas o que amamos e que não escolhemos. Como poderíamos escolher nossos desejos ou nossos amores, se só podemos escolher – ainda que entre vários desejos diferentes, entre vários amores diferentes – em função deles? O amor não se comanda e não poderia, em conseqüência, ser um dever. Sua presença num tratado das virtudes torna-se, por conseguinte, problemática? Talvez. Mas devemos dizer também que virtude e dever são duas coisas diferentes (o dever é uma coerção, a virtude, uma liberdade), ambas necessárias, claro, solidárias uma da outra, evidentemente, mas antes complementares, até mesmo simétricas, do que semelhantes ou confundidas. Isso é verdade, parece-me, para qualquer virtude: quanto mais somos generosos, por exemplo, menos a beneficência aparece como dever, isto é, como uma coerção. Mas é verdade a fortiriori para o amor. “O que fazemos por amor sempre se consuma além do bem e do mal”, dizia Nietzsche. Eu não iria tão longe, já que o amor é o próprio bem. Mas além do dever e do proibido, sim, quase sempre, e tanto melhor! O dever é uma coerção (um “jugo”, diz Kant), o dever é uma tristeza, ao passo que o amor é uma espontaneidade alegre. “O que fazemos por coerção”, escreve Kant, “não fazemos por amor.” Isso se inverte: o que fazemos por amor não fazemos por coerção, nem, portanto, por dever. Todos sabemos disso, e sabemos também que algumas de nossas experiências mais evidentemente éticas não têm, por isso, nada a ver com a moral, não porque a contradizem, é claro, mas porque não precisam de suas obrigações. Que mãe alimenta o filho por dever? E há expressão mais atroz do que dever conjugal? Quando o amor existe, quando o desejo existe, para que o dever? Que, no entanto, existe uma virtude conjugal, que existe uma virtude maternal, e no próprio prazer, no próprio amor, não há a menor dúvida! Pode-se dar o peito, pode-se dar a si mesma, pode-se amar, pode-se acariciar, com mais ou menos generosidade, mais ou menos doçura, mais ou menos pureza, mais ou menos fidelidade, mais ou menos prudência, quando necessário, mais ou menos humor, mais ou menos simplicidade, mais ou menos boa-fé, mais ou menos amor… Que outra coisa é alimentar o filho ou fazer amor virtuosamente, isto é, excelentemente? Há uma maneira medíocre, egoísta, odienta às vezes de fazer amor. E há outra, ou várias outras, tantos quantos são os indivíduos e os casais, de fazê-lo bem, o que é bem-fazer, o que é virtude. O amor físico não é mais que um exemplo, que seria tão absurdo superestimar, como muitos fazem hoje em dia, como foi, durante séculos, diabolizar. O amor, se nasce da sexualidade, como quer Freud e como acredito, não poderia reduzir-se a ela, e em todo caso vai muito além de nossos pequenos ou grandes prazeres eróticos. É toda a nossa vida, privada ou pública, familiar ou profissional, que só vale proporcionalmente ao amor que nela pomos ou encontramos. Por que seríamos egoístas, se não amássemos a nós mesmos? Por que trabalharíamos, se não fosse o amor ao dinheiro, ao conforto ou ao trabalho? Por que a filosofia, se não fosse o amor à sabedoria? E, se eu não amasse a filosofia, por que todos estes livros? Por que este, se eu não amasse as virtudes? E por que você o leria, se não compartilhasse algum desses amores? O amor não se comanda, pois é o amor que comanda. Isso também é válido, obviamente, em nossa vida moral ou ética. Só necessitamos de moral em falta de amor, repitamos, e é por isso que temos tanta necessidade de moral! É o amor que comanda, mas o amor faz falta: o amor comanda em sua ausência e por essa própria ausência. É o que o dever exprime ou revela, o dever que só nos constrange a fazer aquilo que o amor, se estivesse presente, bastaria, sem coerção, para suscitar. Como o amor poderia comandar outra coisa que não ele mesmo, que não se comanda, ou outra coisa pelo menos que não o que se assemelha a ele? Só se comanda a ação, e isso diz o essencial: não é o amor que a moral prescreve, é realizar, por dever, essa própria ação que o amor, se estivesse presente, já teria livremente consumado. Máxima do dever: Age como se amasses. No fundo, é o que Kant chamava de amor prático: “O amor para com os homens é possível, para dizer a verdade, mas não pode ser comandado, pois não está ao alcance de nenhum homem amar alguém simplesmente por ordem. É, pois, simplesmente o amor prático que está incluído nesse núcleo de todas as leis. […] Amar o próximo significa praticar de bom grado todos os seus deveres para com ele. Mas a ordem que faz disso uma regra para nós também não pode comandar que tenhamos essa intenção nas ações conformes ao dever, mas simplesmente que tendamos a ela. Porque o mandamento de que devemos fazer alguma coisa de bom grado é em si contraditório.” O amor não é um mandamento: é um ideal (“o ideal da santidade” diz Kant). Mas esse ideal nos guia, e nos ilumina. Não nascemos virtuosos, mas nos tornamos. Como? Pela educação: pela polidez, pela moral, pelo amor. A polidez, como vimos, é um simulacro de moral: agir polidamente é agir como se fôssemos virtuosos. Pelo que a moral começa, no ponto mais baixo, imitando essa virtude que lhe falta e de que no entanto, pela educação, ele se aproxima e nos aproxima. A polidez, numa vida bem conduzida, tem por isso cada vez menos importância, ao passo que a moral tem cada vez mais. É o que os adolescentes descobrem e nos fazem lembrar. Mas isso é apenas o início de um processo, que não poderia deter-se aí. A moral, do mesmo modo, é um simulacro de amor: agir moralmente é agir como se amássemos. Pelo que a moral advém e continua, imitando esse amor que lhe falta, que nos falta, e de que no entanto, pelo hábito, pela interiorização, pela sublimação, ela também se aproxima e nos aproxima, a ponto às vezes de se abolir nesse amor que a atrai, que a justifica e a dissolve. Agir bem é, antes de tudo, fazer o que se faz (polidez), depois o que se deve fazer (moral), enfim, às vezes, é fazer o que se quer, por pouco que se ame (ética). Como a moral liberta da polidez consumando-a (somente o homem virtuoso não precisa mais agir como se o fosse), o amor, que consuma por sua vez a moral, dela nos liberta: somente quem ama não precisa mais agir como se amasse. É o espírito dos Evangelhos (“Ama e faz o que quiseres”), pelo que Cristo nos liberta da Lei, explica Spinoza, não a abolindo, como queria estupidamente Nietzsche, mas consumando-a (“Não vim para revogar, vim para cumprir…”), isto é, comenta Spinoza, confirmando-a e inscrevendo-a para sempre “no fundo dos corações”. A moral é esse simulacro de amor, pelo qual o amor, que dela nos liberta, se torna possível. Ela nasce da polidez e tende ao amor; ela nos faz passar de uma a outro. É por isso que, mesmo austera, mesmo desagradável, nós a amamos. Além disso cumpre amar o amor? Sem dúvida, mas nós de fato o amamos (pois amamos pelo menos ser amados), ou a moral nada poderia por quem não o amasse. Sem esse amor ao amor estaríamos perdidos, e é essa talvez a verdadeira definição do inferno, quero dizer da danação, da perdição, aqui e agora. Cumpre amar o amor ou não amar nada, amar o amor ou se perder. De outro modo, que coerção poderia haver? Que moral? Que ética? Sem o amor, o que restaria de nossas virtudes? E que valeriam elas se não as amássemos? Pascal, Hume e Bergson são mais esclarecedores aqui do que Kant: a moral vem mais do sentimento do que da lógica, mais do coração do que da razão, e a própria razão só comanda (pela universalidade) ou só serve (pela prudência) tanto quanto o desejarmos. Kant é engraçado quando pretende combater o egoísmo ou a crueldade com o princípio da não-contradição! Como se aquele que não hesita em mentir, em matar, em torturar, fosse preocupar-se com que a máxima de sua ação pudesse ou não ser erigida, sem contradição, em lei universal! Que lhe importa a contradição? Que lhe importa o universal? Só precisamos de moral em falta de amor. Mas só somos capazes de moral, e só sentimos essa necessidade, pelo pouco de amor, ainda que a nós mesmos, que nos foi dado, que soubemos conservar, sonhar ou reencontrar… O amor é portanto primeiro, não em absoluto, sem dúvida (pois então seria Deus), mas em relação à moral, ao dever, à Lei. É o alfa e o ômega de toda virtude. Primeiro a mãe e seu filho. Primeiro o calor dos corpos e dos corações. Primeiro a fome e o leite. Primeiro o desejo, primeiro o prazer. Primeiro a carícia que aplaca, primeiro o gesto que protege ou alimenta, primeiro a voz que tranqüiliza, primeiro esta evidência: uma mãe que amamenta; depois esta surpresa: um homem sem violência, que vela uma criança adormecida. Se o amor não fosse anterior à moral, o que saberíamos da moral? E o que ela nos tem a propor de melhor que o amor do qual ela vem, que lhe falta, que a move, que a atrai? O que a torna possível é também aquilo mesmo a que ela tende, e que a liberta. Círculo? Se quisermos, mas não vicioso, pois evidentemente não é o mesmo amor no princípio e no fim. Um é a condição da Lei, sua fonte, sua origem. O outro seria antes seu efeito, sua superação e seu mais belo êxito. É o alfa e o ômega das virtudes, dizia eu, em outras palavras, duas letras diferentes, dois amores diferentes (pelo menos dois!), e, de um ao outro, todo o alfabeto de viver… Círculo, pois, mas virtuoso, pelo que a virtude se torna possível. Não se sai do amor, já que não se sai do desejo. Mas o desejo muda de objeto, se não de natureza, mas o amor se transforma e nos transforma. Isso justifica que, antes de falar de virtude propriamente, tomemos um certo recuo. O que é o amor? Eis a grande questão. Eu gostaria de propor três respostas, que não se opõem tanto (embora se oponham, como veremos) quanto se completam. Não estou inventando nenhuma das três. O amor não é tão desconhecido assim, nem a tradição tão cega, a ponto de ser preciso inventar sua definição! Tudo talvez já tenha sido dito. Falta compreender. Resta também, talvez, uma certa idéia do amor, na medida em que não está submetido ao valor do que ama, já que o gera, já que é sua fonte. “Amor espontâneo”, dizia Nygren, “amor sem motivo, amor criador…” É o próprio amor. Não é porque uma coisa é boa que a desejamos, explica Spinoza, é porque a desejamos que a julgamos boa. Potência do desejo, que faz tesouros e jóias, como dirá Nietzsche, de todas as coisas avaliadas. Isso vale igualmente e sobretudo para o amor. Não é porque uma coisa é amável que a amamos; é porque a amamos que é amável. Assim, os pais amam seu filho antes de conhecê-lo, antes de ser amados por ele, e o que quer que ele seja, o que quer que se torne. Isso excede erôs, excede philia, pelo menos tais como os vivemos ou os pensamos geralmente (como submetidos ao valor prévio de seu objeto e determinados por esse valor). O amor é primeiro, não quanto ao ser (pois então seria Deus), mas quanto ao valor: o que vale é o que amamos. É a esse título, sem dúvida, que ele é o valor supremo: o alfa e o ômega de viver, dizia eu, a origem e o fim de nossas avaliações. Mas então o amor também vale, se o amamos, e tanto mais quanto mais amamos. Não é porque as pessoas são amáveis que devemos amá-las, é na medida em que as amamos que são (para nós) amáveis. A caridade é esse amor que não espera ser merecido, esse amor primeiro, gratuito, espontâneo, de fato, que é a verdade do amor e seu horizonte. Seja como for, enquanto se opõe ao egoísmo, ao amor a si, ao conatus, esse amor desinteressado pode parecer misterioso, e podemos até duvidar da sua existência. Amar o próximo como a si mesmo, será possível? Sem dúvida, não. Mas indica uma direção, que é a do amor. Ora, se essa direção, na amizade, é a da vida, da alegria, da potência, na caridade ela parece se inverter, como se o vivo devesse renunciar a si para deixar o outro existir. É o tema bem conhecido da morte de si mesmo, nos místicos, ou da descriação, em Simone Weil: do mesmo modo que Deus, na criação, renuncia a ser tudo, “devemos renunciar a ser alguma coisa”.
Meu Deus, concedei-me tornar-me nada. Pode-se ver nisso um triunfo da pulsão de morte, que se relacionará sem dificuldade ao que há de possivelmente patológico (desta vez no sentido comum do termo) na personalidade de Simone Weil. Tudo bem. Mas, admitido isso, falta saber o que fizemos dessa pulsão de morte ou, por assim dizer, da agressividade. Pois o que Freud mostrou ou sugeriu, e que esquecemos depressa demais, é que a pulsão de morte triunfa necessariamente, pois a própria vida lhe é subordinada, e em todo caso não conseguiríamos nos desvencilhar dela pura e simplesmente. Que desejo não é também desejo de morte? Que vida não é violência? Muitos chamarão de amor apenas a negação desse desejo, dessa violência, dessa agressividade, que é viver. Mas Simone Weil pratica pouco a negação. O que vemos nela é, antes, a introversão da morte, da violência, da negatividade, ou, para dizer com palavras que não são as dela, a retroversão da pulsão de morte no sentido do eu, o que liberta a pulsão de vida e a torna disponível para outrem. O desejo permanece (pois “somos desejo!”), a alegria permanece (pois “a alegria e o sentimento de realidade são idênticos”), o amor permanece (pois “a crença na existência de outros seres humanos como tais é amor”), mas libertados do egoísmo, da esperança, da possessividade – como que libertados de nós mesmos, da “prisão do eu”, e mais leves, mais alegres, mais luminosos: já que o ego não é mais um obstáculo ao real ou à alegria, já que cessou de absorver nele todo o amor ou toda a atenção disponíveis. Essa leveza, essa alegria, essa luz, são as da sabedoria, são as da santidade, e é o que as reúne. Não é seguro que Simone Weil as tenha alcançado – aliás, ela nunca o pretendeu. Mas nos ajuda a pensá-las. “O pecado em mim diz ‘eu’”, ela escreve. E mais adiante: “Devo amar ser nada. Como seria horrível se eu fosse alguma coisa. Amar meu nada, amar ser nada.” Ressentimento, ideal ascético, ódio de si? Pode-se dizer assim. Isso pode até existir, e existe sem dúvida. Mas, se fosse o único conteúdo desse amor, Simone Weil nos comoveria a esse ponto? Nos esclareceria a esse ponto? Talvez haja também outra coisa, que seria como que uma inversão das pulsões vitais e mortíferas ou, para dizer melhor (pois essas pulsões, ao que tudo indica, são uma só coisa), como que uma permutação de seus objetos nos dois pólos de uma mesma ambivalência. Pôr sua vida em Deus, explica Simone Weil, é “pôr sua vida no que não se pode de modo algum tocar”. E acrescenta: “É impossível. É uma morte. É disso que precisamos.” Eros e Tanatos… Na maioria das pessoas, ou em todas e na maior parte do tempo, Eros se concentra no eu (e só se projeta nos outros enquanto estes podem nos faltar ou nos regozijar: enquanto podem nos servir), ao passo que Tanatos se concentra de preferência nos outros: amamo-nos mais facilmente do que aos outros, detestamos os outros mais facilmente do que a nós mesmos. O que Simone Weil chama de descriação e que, segundo ela, se exprime na caridade poderia talvez ser pensado (nos conceitos de Freud, se não nos dela) como uma inversão ou um cruzamento dessas duas forças ou de seus objetos, cessando o eu de monopolizar a pulsão de vida, cessando de absorver a energia positiva e concentrando em si, ao contrário, toda a pulsão de morte ou toda a energia negativa. Há lugar aqui, parece-me, para uma leitura não-religiosa de Simone Weil, que poderia integrar numa teoria materialista (por exemplo, de inspiração freudiana) algo dessa descriação ou, como ela também diz, dessa “reviravolta do positivo e do negativo”. Assim também, devemos morrer para liberar a energia atada, para possuir uma energia livre capaz de amoldar-se à verdadeira relação das coisas. A verdadeira relação das coisas? Sua igualdade absoluta, pois nenhuma vale sem o amor, pois todas valem pelo amor. Pelo que a caridade nada mais é que a justiça (“o Evangelho”, observa Simone Weil, “não faz nenhuma distinção entre o amor ao próximo e a justiça”), de modo que, antes, ela só se distingue da justiça pelo amor (podemos ser justos sem amar, não podemos amar universalmente sem ser justos), pelo que ela é como que um amor libertado da injustiça do desejo (erôs) e da amizade (philia), como um amor universal, pois, sem preferência nem escolha, como uma dileção sem predileção, como um amor sem limites e mesmo sem justificativas egoístas ou afetivas. Assim, a caridade não poderia ser reduzida à amizade, que sempre supõe uma escolha, uma preferência, uma relação privilegiada, ao passo que a caridade, ao contrário, pretende-se universal e refere-se especialmente aos inimigos ou aos indiferentes (já que, para os outros a amizade pode bastar). Como observa Ferdinand Prat, “não se diria em latim, nem com maior razão em grego: ‘Amate (phileite) inimico vestros’, seria pedir o impossível; mas sempre: ‘Diligete (agapate) inimico vestros’”. Como poderíamos ser amigos de nossos inimigos? Como poderíamos nos regozijar com sua existência, quando ela nos fere, quando ela nos mata? Portanto, temos de amá-los de outro modo. Quanto a erôs, não se encontra nem ele nem qualquer palavra da mesma raiz, em nenhum texto do Novo Testamento. Como, aliás, poderíamos sentir falta de nossos inimigos? Como poderíamos esperar deles um bem, um prazer, uma felicidade? Isso confirma que o amor agápico é bem singular, precisamente pelo fato de se pretender universal. Estar enamorado de seu próximo, em outras palavras, de todo o mundo e de qualquer um, a fortiriori estar enamorado de seus inimigos seria um absurdo evidente. E não é um amigo, observava Aristóteles, quem é amigo de todos. A caridade é, pois, outra coisa: “É o amor transfigurado em virtude”, como diz Jankélévitch, ou antes (se a amizade, como creio, já pode ser uma virtude), é o amor “tornado permanente e crônico, estendido à universalidade dos homens e à totalidade da pessoa”, que também pode se referir, é claro, àquele de quem somos amante ou amigo, mas que se dirige a todos os humanos, bons ou maus, amigos ou inimigos, o que de resto não nos impede de preferir aqueles (quanto à amizade) nem de combater estes (se pudermos combatê-los sem ódio: se o ódio não for a única motivação do combate), mas que introduz nas relações humanas aquele horizonte de universalidade que a compaixão ou a justiça já sugeriam, por certo, mas sobretudo de maneira negativa ou formal, e que a caridade, na medida do possível, vem encher de um conteúdo positivo e concreto. É a aceitação alegre do outro, e de qualquer outro. Tal como ele é e quem quer que seja. Enquanto é universal, a caridade refere-se também ao eu (quando Pascal escreve que é necessário se odiar, falta-lhe evidentemente caridade por si mesmo: que sentido teria amar o próximo como a si mesmo, se não se devesse amar a si mesmo?), mas sem privilégio algum. “Amar um estranho como a si mesmo”, escreve com razão Simone Weil, “implica uma contrapartida: amar a si mesmo como a um estranho.” É aí que voltamos a encontrar Pascal: “Numa palavra, o eu tem duas qualidades. É injusto em si por se fazer o centro de tudo. É incômodo aos outros por querer subjugá-los, porque cada eu é inimigo e gostaria de ser tirano de todos os outros.” A caridade é o antídoto dessa tirania e dessa injustiça, que ela combate por meio de um descentramento (ou, diria Simone Weil, de uma descriação) do eu. O eu só é odiável porque não sabe amar – e se amar – como deveria. Porque ama apenas a si, ou para si (por cobiça ou concupiscência). Por ser egoísta. Por ser injusto. Por ser tirânico. Por absorver em si – como se fosse um buraco negro espiritual – toda alegria, todo amor, toda luz. A caridade, embora não seja incompatível com o amor a si (que ela inclui, ao contrário, purificando-o: “amar a si mesmo como a um estranho”), opõe-se evidentemente a esse egoísmo, a essa injustiça – a essa escravidão tirânica do eu. Talvez seja isso o que melhor a define: é um amor libertado do ego e que liberta dele. Fosse ela impossível de se viver, ainda assim necessária a se pensar: para saber o que nos falta ou o que faz falta em nós. Porque esse amor é pelo menos objeto de desejo, e essa falta em nós basta para fazer nascer seu valor ou para fazê-la nascer como valor. Pelo que o amor seria efetivamente “essa sede que inventa as fontes”, e a própria fonte: como uma falta que libertasse de toda falta, como uma potência que libertasse da potência. Porque o amor nos falta, porque o amor nos regozija: agapé também é um objeto ou um horizonte para erôs e philia, que proíbe que um e outro permaneça prisioneiro de si, satisfeito de si, que sempre os obriga – e isso Platão percebeu – a ir além de todo objeto possível, de toda posse possível, de toda preferência possível, até essa zona do espírito ou do ser em que nada mais falta e em que tudo nos regozija, zona a que Platão chamava o Bem, a que outros chamaram Deus, de dois mil anos para cá, e que talvez não seja nada mais do que o amor que nos chama na exata medida – mas apenas nessa medida – em que o chamamos, em que o amamos, em que às vezes vivemos, se não sua presença, que nunca é verificada, pelo menos sua ausência, pelo menos sua exigência, pelo menos seu mandamento. O amor não pode ser comandado, dizia eu, pois comanda. Mas comanda efetivamente, e é por isso que ele é toda a lei, como são Paulo havia visto, e mais precioso até que a ciência, a fé ou a esperança, que só valem por ele, quando valem, e para ele. Cabe aqui citar o mais belo texto, talvez, que já foi escrito sobre a caridade, da qual este longo capítulo, no fundo, pretendia apenas ser uma justificação, mas sem Deus, e tanto pior para aqueles que consideram isso impossível ou contraditório: Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, não serei mais que bronze que soa ou címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha a plenitude da fé, uma fé de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada serei. E, ainda que eu distribua todos os meus bens em esmolas, ainda que entregue o meu próprio corpo às chamas,
A caridade é paciente, a caridade é serviçal; ela não é invejosa; não se gaba, não se infla, ela não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não leva em conta o mal; não se alegra com a injustiça, mas põe sua alegria na verdade. A caridade não passa nunca. As profecias? Elas desaparecerão. As línguas? Elas se calarão. A ciência? Ela desaparecerá. Porque parcial é nossa ciência, também parcial nossa profecia. Quando, porém, vier o que é perfeito, o que é parcial desaparecerá. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino, raciocinava como menino; Essas “coisas” são o que tradicionalmente se chama de três virtudes teologais (porque teriam Deus mesmo por objeto). Duas delas, a fé e a esperança, estão ausentes deste tratado, porque me pareceram, de fato, não ter outro objeto plausível que não Deus, em que não creio. Dessas duas virtudes, aliás, podemos prescindir: basta a coragem, diante do futuro ou do perigo, assim como a boa-fé, diante da verdade ou do desconhecido. Mas como poderíamos prescindir da caridade (ao menos como idéia ou como ideal)? E quem ousaria pretender que ela só pode ter Deus como objeto, quando todos sentem (e quando Paulo escreve explicitamente) o contrário, a saber, que ela só pode existir por inteiro no amor ao próximo? De resto, santo Agostinho e santo Tomás, comentando o hino à caridade, bem mostraram que, das três virtudes teologais, a caridade não era apenas “a maior das três”, como dizia são Paulo, mas também a única a ter um sentido em Deus ou, como dizem, no Reino. A fé passará (como crer em Deus quando se é Deus?), a esperança passará (no Reino, não haverá mais nada a esperar), e é por isso que se diz que apenas a caridade “não passará”: no Reino só haverá amor, sem esperança e sem fé! Aí estamos. A esperança e a fé nos deixaram: nada mais há senão a falta, nada mais há senão a alegria, nada mais há senão a caridade. Isso não é, necessariamente, trair o espírito de Cristo, nem renunciar em tudo a segui-lo. Cristo, observa santo Tomás, não tinha “nem a fé nem a esperança”, no entanto houve nele “uma caridade perfeita”. Que essa perfeição não nos é acessível, está claro. Mas será isso uma razão para renunciarmos ao pouco de amor puro, gratuito ou desinteressado – ao pouco de caridade – de que talvez sejamos capazes? Digo “talvez” porque nada garante que esse amor seja ao menos possível. Mas assim acontece, mostrava Kant, com toda virtude, e isso portanto não refuta nem a caridade nem o dever. Um tal amor está a nosso alcance? Podemos vivê-lo? Podemos nos aproximar dele? Não podemos sabê-lo sem prová-lo. Talvez seja “esse amor que falta a todo amor”, como diz Bobin, ao qual no entanto nada falta, e que por isso nos falta, e nos atrai. Mesmo ausente, ele nos ilumina: a ausência do amor ainda é um amor. “Amar”, dizia Alain, “é encontrar sua riqueza fora de si.” É por isso que o amor é pobre, sempre, e a única riqueza. Mas há várias maneiras de ser pobre no amor, pelo amor, ou de ser rico, antes, de sua pobreza: pela falta, que é paixão, pela alegria recebida ou partilhada, que é amizade, enfim pela alegria dada, e dada em pura perda, pela alegria dada e abandonada, que é caridade. Haveria, pois, para resumir, para simplificar, três maneiras de amar, ou três tipos de amor, ou três gradações no amor: a carência (erôs), o regozijo (philia), a caridade (agapé). Pode ser que esta última seja, em verdade, apenas um halo de doçura, de compaixão e de justiça, que venha temperar a violência da falta ou do regozijo, que venha moderar ou aprofundar o que nossos outros amores possam ter de demasiado brutal ou de demasiado pleno. Há um amor que é como uma fome, outro que ressoa como uma gargalhada. A caridade mais parecia um sorriso, quando não, o que lhe sucede, uma vontade de chorar. Não vejo que isso a condene. Nossos risos são ruins mais freqüentemente que nossas lágrimas. Compaixão? Pode ser que seja de fato esse o conteúdo principal da caridade, seu afeto mais efetivo, ou mesmo seu verdadeiro nome. Em todo caso é o nome que lhe dá o Oriente budista, que seria nisso, como sugeri, mais lúcido ou mais realista do que o Ocidente cristão. Pode ser também que a amizade – mas uma amizade purificada, como que rarefeita à proporção de sua extensão – seja o único amor generoso de que sejamos capazes: é sem dúvida o que um epicurista teria objetado a são Paulo ou aos primeiros cristãos. A caridade, se ela é possível, se reconheceria no entanto pelo fato (no que ela superaria a compaixão) de não ter necessidade do sofrimento do outro para amá-lo, de não estar “a reboque da felicidade”, como dizia Jankélévitch, de ser como que uma compaixão primeira e não-reativa; do mesmo modo que se distinguiria da simples amizade, e a superaria, pelo fato de não ter necessidade de ser amada para amar, e nem poder sê-lo, pelo fato de nada ter a ver com a reciprocidade ou o interesse, de ser como uma amizade primeira e não-reativa: seria como que uma compaixão libertada do sofrimento, e como que uma amizade, repitamos, libertada do ego. Sua ausência, mesmo que seja insolúvel, é o que torna as virtudes necessárias: o amor (mas o amor não egoísta) liberta da lei, quando existe, e a inscreve no fundo dos corações, quando falta. Que ele falte o mais das vezes, e sempre talvez, é o que justifica este tratado: para que falar de moral, se não faltasse o amor? “A melhor e mais curta definição da virtude”, dizia santo Agostinho, “é esta: a ordem do amor.” Mas o amor, na maioria das vezes, só brilha por sua ausência: daí o fulgor das virtudes e a obscuridade de nossas vidas. Fulgor secundário, obscuridade essencial, mas não total. As virtudes, quase todas, só se justificam por esta falta em nós do amor, e portanto se justificam. Elas não poderiam, porém, preencher esse vazio que as ilumina: aquilo mesmo que as torna necessárias impede que as creiamos suficientes. Pelo que o amor nos destina à moral e dela nos liberta. Pelo que a moral nos destina ao amor, ainda que ele esteja ausente, e a ele se submete. /André Comte-Sponville

O HUMOR !

Que ele seja uma virtude poderá surpreender. Mas é que toda a seriedade é condenável, referindo-se a nós mesmos. O humor nos preserva dela e, além do prazer que sentimos com ele, é estimado por isso. Se “a seriedade designa a situação intermediária de um homem eqüidistante entre desespero e futilidade”, como diz lindamente Jankélévitch, devemos observar que o humor, ao contrário, opta resolutamente pelos dois extremos. “Polidez do desespero”, dizia Vian, e a futilidade pode fazer parte dela. É impolido dar-se ares de importância. É ridículo levar-se a sério. Não ter humor é não ter humildade, é não ter lucidez, é não ter leveza, é ser demasiado cheio de si, é ser demasiado severo ou demasiado agressivo, é quase sempre carecer, com isso, de generosidade, de doçura, de misericórdia… O excesso de seriedade, mesmo na virtude, tem algo de suspeito e de inquietante: deve haver alguma ilusão ou algum fanatismo nisso… É virtude que se acredita e que, por isso, carece de virtude. Não exageremos porém a importância do humor. Um canalha pode ter humor; um herói pode não ter. Mas isso é verdade, como vimos, para a maioria das virtudes, e não prova nada contra o humor, a não ser, o que é claríssimo, que ele não prova nada. Mas se quisesse provar continuaria sendo humor? Virtude anexa, se quisermos, ou compósita, virtude leve, virtude inessencial, virtude engraçada, em certo sentido, pois caçoa da moral, pois se contenta com ser engraçada, mas grande qualidade, mas preciosa qualidade, que por certo pode faltar a um homem de bem, mas não sem que isso atinja em algo a estima, inclusive moral, que temos por ele. Um santo sem humor é um triste santo. E um sábio sem humor seria mesmo um sábio? O espírito é o que escarnece de tudo, dizia Alain, e é por isso que o humor faz parte, de pleno direito, do espírito. Isso não impede a seriedade, no que diz respeito a outrem, nossas obrigações para com ele, nossos compromissos, nossas responsabilidades, até mesmo no que diz respeito à condução de nossa própria existência. Mas impede de nos iludirmos ou de ficarmos demasiado satisfeitos. Vaidade das vaidades: só faltou ao Eclesiastes um pouco de humor para dizer o essencial. Um pouco de humor, um pouco de amor: um pouco de alegria. Mesmo sem razão, mesmo contra a razão. Entre desespero e futilidade, às vezes a virtude fica menos num meio-termo do que na capacidade de abraçar, num mesmo olhar ou num mesmo sorriso, esses dois extremos entre os quais vivemos, entre os quais evoluímos, e que se encontram no humor. O que não é desesperador para um olhar lúcido? E o que não é fútil, para um olhar desesperado? Isso não nos impede de rir do que vemos, e é sem dúvida o que de melhor podemos fazer. Que valeria o amor, sem a alegria? O que valeria a alegria, sem o humor? Tudo o que não é trágico é irrisório. Eis o que a lucidez ensina. E o humor acrescenta, num sorriso, que não é trágico… Verdade do humor. A situação é desesperadora, mas não é grave. A tradição opõe o riso de Demócrito às lágrimas de Heráclito: “Demócrito e Heráclito”, lembra Montaigne, “foram dois filósofos, o primeiro dos quais, achando vã e ridícula a condição humana, só saía em público com um semblante zombeteiro e risonho; Heráclito, sentindo piedade e compaixão por essa mesma condição nossa, trazia o semblante continuamente entristecido, e os olhos carregados de lágrimas…” E por certo não faltam motivos para rir ou chorar. Mas qual é a melhor atitude? O real, que não ri nem chora, não dá a resposta. Isso não quer dizer que tenhamos escolha – em todo caso não quer dizer que essa escolha dependa de nós. Eu diria antes que ela nos constitui, nos permeia, riso ou lágrimas, riso e lágrimas, que nós oscilamos entre esses dois pólos, uns pendendo mais para isso, outros mais para aquilo… Melancolia contra alegria? Não é tão simples assim. Montaigne, que tinha seus momentos de tristeza, de abatimento, de desgosto, ainda assim prefere Demócrito: “Prefiro o primeiro estado de espírito”, explica, “não porque é mais agradável rir do que chorar, mas por ser mais desdenhoso e por nos condenar mais que o outro; e parece-me que nunca podemos ser tão desprezados quanto merecemos.” Chorar por isso? Seria levar-se demasiado a sério! Mais vale rir: “Não acredito que haja em nós tanta infelicidade quanta vaidade, nem tanta malícia quanta tolice. […] Nossa própria e peculiar condição é tão ridícula quanto risível.” De que adianta se lamentar por tão pouco (por esse pouco que somos)? De que adianta se odiar (“o que odiamos levamos a sério”), quando basta rir? Mas há rir e rir, e cumpre distinguir aqui o humor da ironia. A ironia não é uma virtude, é uma arma – voltada quase sempre contra outrem. É o riso mau, sarcástico, destruidor, o riso da zombaria, o riso que fere, que pode matar, é o riso a que Spinoza renuncia (“non ridere, non lugere, neque detestari, sed intelligere”), é o riso do ódio, é o riso do combate. Útil? Como não, quando necessário! Que arma não o é? Mas nenhuma arma é a paz, nenhuma ironia é o humor. A linguagem pode enganar. Nossos humoristas, como se diz, ou como eles se dizem, muitas vezes não passam de ironistas, de satiristas – e, por certo, são necessários. Mas os melhores misturam os dois gêneros: é o caso de Bedos, mais ironista quando fala da direita, mais humorista quando fala da esquerda, puro humorista quando fala de si mesmo e de nós todos. Que tristeza, se só pudéssemos rir contra! E que seriedade, se só soubéssemos rir dos outros! A ironia é isso mesmo: é um riso que se leva a sério, é um riso que zomba, mas não de si, é um riso, e a expressão é bem reveladora, que goza da cara dos outros. Se se volta contra o eu (é o que se chama autoderrisão), permanece exterior e nefasta. A ironia despreza, acusa, condena… Leva-se a sério e só desconfia da seriedade do outro – ainda que, como bem viu Kierkegaard, venha a “falar de si como de um terceiro”. Isso quebrou, ou antes refreou, mais de um grande espírito. Humildade? Nada disso. Como é preciso, ao contrário, levar-se a sério para zombar dos outros! Como é preciso ser orgulhoso, inclusive, para se desprezar! A ironia é essa seriedade, a cujos olhos tudo é ridículo. A ironia é essa pequenez, a cujos olhos tudo é pequeno. Rilke dera o remédio: “Atinjam as profundezas: a ironia não desce até lá.” Isso não seria verdadeiro para o humor, e é essa uma primeira diferença. A segunda, a mais significativa, prende-se à reflexividade do humor, à sua interioridade, ao que gostaríamos de chamar sua imanência. A ironia ri do outro (ou do eu, na autoderrisão, como de um outro); o humor ri de si, ou do outro como de si, e sempre se inclui, em todo caso, no disparate que instaura ou desvenda. Não que o humorista não leve nada a sério (humor não é frivolidade). Simplesmente, ele recusa levar a sério a si mesmo, ou seu riso, ou sua angústia. A ironia procura fazer-se valer, como diz Kierkegaard; o humor, abolir-se. Ele não poderia ser permanente nem se erigir em sistema, pois não passaria então de uma defesa como outra qualquer e já não seria humor. Nossa época o perverte, de tanto o celebrar. Há coisa mais triste do que cultivá-lo para ele mesmo? Do que fazer dele um meio de sedução? Um monumento à glória do narcisismo? Fazer dele uma profissão ainda passa, afinal é preciso ganhar a vida. Mas uma religião? Mas uma pretensão? Seria trair o humor, seria não ter humor. Quando é fiel a si, o humor conduz antes à humildade. Não há orgulho sem espírito de seriedade, nem espírito de seriedade, no fundo, sem orgulho. O humor atinge este quebrando aquele. É nisso que é essencial ao humor ser reflexivo ou, pelo menos, englobar-se no riso que ele acarreta ou no sorriso, mesmo amargo, que ele suscita. É menos uma questão de conteúdo do que de estado de espírito. A mesma fórmula, ou a mesma brincadeira, pode mudar de natureza, segundo a disposição de quem a enuncia: o que será ironia em um, que se exclui dela, poderá ser humor em outro, que nela se inclui. Aristófanes faz ironia, em As nuvens, quando zomba de Sócrates. Mas Sócrates (grande ironista, aliás) dá prova de humor quando, assistindo à representação, ri gostosamente com os outros. Os dois registros podem, é claro, misturar-se, a ponto de serem indissociáveis, indiscerníveis, a não ser, se tanto, pelo tom ou pelo contexto. Assim, quando Groucho Marx declara magnificamente: “Tive uma noitada excelente, mas não foi esta.” Se ele diz isso à dona da casa, depois de uma noitada malograda, é ironia. Se diz ao público, no fim de um de seus espetáculos, será antes humor. Mas, no primeiro caso, pode se somar humor, se Groucho Marx assumir sua parte de responsabilidade no fracasso da noite, assim como ironia no segundo, caso o público, isso acontece, tiver denotado uma falta excessiva de talento… Podemos gracejar sobre tudo: sobre o fracasso, sobre a guerra, sobre a morte, sobre o amor, sobre a doença, sobre a tortura… Mas é preciso que esse riso acrescente um pouco de alegria, um pouco de doçura ou de leveza à miséria do mundo, e não mais ódio, sofrimento ou desprezo. Podemos rir de tudo, mas não de qualquer maneira. Uma piada de judeu nunca será humorística na boca de um anti-semita. O riso não é tudo e não desculpa nada. De resto, tratando-se de males que não podemos impedir ou combater, seria evidentemente condenável contentar-se com gracejar. O humor não substitui a ação, e a insensibilidade, no concerne ao sofrimento dos outros, é uma falta. Mas também seria condenável, na ação ou na inação, levar demasiado a sério seus próprios bons sentimentos, suas próprias angústias, suas próprias revoltas, suas próprias virtudes. Lucidez bem ordenada começa por si mesmo. Daí o humor, que pode fazer rir de tudo contanto que ria primeiro de si. “A única coisa que lamento”, diz Woody Allen, “é não ser outra pessoa.” Mas também com isso ele o aceita. O humor é uma conduta de luto (trata-se de aceitar aquilo que nos faz sofrer), o que o distingue de novo da ironia, que seria antes assassina. A ironia fere; o humor cura. A ironia pode matar; o humor ajuda a viver. A ironia quer dominar; o humor liberta. A ironia é implacável; o humor é misericordioso. A ironia é humilhante; o humor é humilde. Mas o humor não está apenas a serviço da humildade. Também vale por si mesmo: ele transmuta a tristeza em alegria (logo o ódio em amor ou em misericórdia, diria Spinoza), a desilusão em comicidade, o desespero em alegria… Ele desarma a seriedade, mas também, por isso mesmo, o ódio, a cólera, o ressentimento, o fanatismo, o espírito sistemático, a mortificação, até mesmo a ironia. Rir de si primeiro, mas sem ódio. Ou de tudo, mas apenas enquanto se faz parte desse tudo e se o aceita. A ironia diz não (muitas vezes fingindo dizer sim); o humor diz sim, sim apesar de tudo, sim apesar dos pesares, inclusive a tudo o que o humorista, enquanto indivíduo, é incapaz de aceitar. Duplicidade? Quase sempre, na ironia (não há ironia sem simulação, sem uma parte de má-fé); quase nunca, no humor (um humor de má-fé ainda seria humor?). Muito mais ambivalência, muito mais contradição, muito mais dilaceramento, porém assumidos, porém aceitos, porém superados em alguma coisa. É Pierre Desproges anunciando seu câncer: “Mais canceroso que eu, você morre!” É Woody Allen encenando suas angústias, seus fracassos, seus sintomas… É Pierre Dac confrontado à condição humana: “À eterna tríplice questão que sempre ficou sem resposta: ‘Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?’, respondo: ‘No que me diz respeito, eu sou eu, venho da minha casa e volto para ela.’” Observei em outra parte que não havia filosofia cômica: é um limite para o riso, sem dúvida (ele não poderia fazer as vezes de pensamento); mas também o é para a filosofia: ela não substitui o riso, nem a alegria, nem mesmo a sabedoria. Tristeza dos sistemas, seriedade esmagadora do conceito, quando ele se dá demasiada importância! Um pouco de humor preserva disso, como vemos em Montaigne, como vemos em Hume, como não vemos nem em Kant nem em Hegel. Já citei a famosa fórmula de Spinoza: “Não ridicularizar, não deplorar, não amaldiçoar, mas compreender.” Sim. Mas e se não houver nada a compreender? Resta rir – não contra (ironia), mas de, mas com, mas no (humor). Embarcamos e não há barco: melhor rir do que chorar. É a sabedoria de Shakespeare, a de Montaigne, e é a mesma, e é a verdadeira. “Triunfo do narcisismo”, escreve estranhamente Freud. Mas para logo em seguida constatar que é a custa do próprio ego, reposto em seu devido lugar, de certa forma, pelo superego. Triunfo do narcisismo (já que o ego “se afirma vitoriosamente” e acaba desfrutando exatamente daquilo que o ofende e que ele supera), mas sobre o narcisismo! “Triunfo do princípio de prazer”, escreve ainda Freud. Mas que só é possível desde que se aceite, nem que seja para rir, a realidade tal como é, tal como permanece. “O humor parece dizer: ‘Olhe! Eis o mundo que lhe parece tão perigoso! Uma brincadeira de crianças! O melhor, portanto, é brincar!’” O “desmentido à realidade”, como diz Freud, só é humorístico se desmentir a si mesmo (senão já não seria humor, e sim loucura, já não seria desmentido, e sim demência), se, portanto, reconhecer essa realidade de que graceja, que supera ou que leva na brincadeira. É como aquele condenado à morte que levam à forca numa segunda-feira e que exclama: “A semana está começando bem!” Há coragem no humor, grandeza, generosidade. Com ele o eu é como que libertado de si mesmo. “O humor tem não apenas algo de libertador”, observa Freud, “mas também algo de sublime e elevado”, por isso ele difere de outras formas de comicidade e se aproxima, de fato, da virtude. Isso, mais uma vez, distingue intensamente o humor da ironia, que antes rebaixa, que nunca é sublime, que nunca é generosa. “A ironia é uma manifestação da avareza”, escreve Bobin, “uma crispação da inteligência, que prefere cerrar os dentes a soltar uma só palavra de elogio. O humor, ao contrário, é uma manifestação de generosidade: sorrir daquilo que amamos é amá-lo duas vezes mais.” Duas vezes mais? Não sei. Digamos que é amar melhor, com mais leveza, com mais espírito, com mais liberdade. A ironia, ao contrário, sabe apenas odiar, criticar, desprezar. Dominique Noguez força um pouco o traço, mas aponta a direção certa quando resume a oposição entre humor e ironia nestas poucas linhas, sobretudo na fórmula que as encerra: “O humor e a ironia repousam identicamente numa não-coincidência entre a linguagem e a realidade, mas aqui sentida afetuosamente como uma saudação fraterna à coisa ou à pessoa designada, e ali, ao contrário, como a manifestação de uma oposição escandalizada, depreciativa ou carregada de ódio. Humor é amor; ironia é desprezo.” Em todo caso, não há humor sem um mínimo de simpatia; foi o que Kierkegaard viu: “Justamente por sempre conter uma dor oculta, o humor também comporta uma simpatia de que a ironia é desprovida…” Simpatia na dor, simpatia no desamparo, simpatia na fragilidade, na angústia, na vaidade, na insignificância universal de tudo… O humor tem a ver com o absurdo, com o nonsense, como dizem os anglófonos, com o desespero. Não, claro, que uma afirmação absurda seja sempre engraçada, nem mesmo (se entendermos por absurdo algo que não significa nada) que possa ser. Só podemos rir, ao contrário, do sentido. Mas nem todo sentido, inversamente, é engraçado, e a maioria evidentemente não é. O riso não nasce nem do sentido nem do disparate: ele nasce da passagem de um a outro. Há humor quando o sentido vacila, quando se mostra em via de se abolir, no gesto evanescente (mas como que suspenso no ar, como que captado no vôo pelo riso) de sua apresentação-desaparecimento. Por exemplo, quando Groucho Marx, auscultando um doente, declara: “Ou meu relógio está parado, ou este homem morreu.” Isso significa alguma coisa, é claro, inclusive só é engraçado porque tem sentido. Mas o sentido que isso tem não é nem possível (a não ser abstratamente), nem plausível: o sentido se abole no mesmo instante em que se apresenta, ou antes, só se apresenta (pois se fosse inteiramente abolido não riríamos) em via de se abolir. O humor é um tremor de sentido, uma vacilação de sentido, às vezes uma explosão de sentido, em suma sempre um movimento, um processo, mas concentrado, condensado, que pode aliás permanecer mais ou menos próximo de sua origem (a seriedade do sentido) ou, ao contrário, aproximar-se mais de seu desaguadouro natural (o absurdo do disparate) e acentuar com isso, como todos podemos observar, esta ou aquela de suas infinitas nuances ou modulações. Mas sempre, parece-me, o humor estará entre os dois, nesse brusco movimento entre sentido e disparate (interceptado, como que congelado no instante). Sentido demais ainda não é humor (será muitas vezes ironia); muito pouco sentido já não o é (não passa de absurdo). Encontramos novamente aqui um meio-termo quase aristotélico: o humor não é nem a seriedade (para a qual tudo faz sentido), nem a frivolidade (para a qual nada tem sentido). Mas é um meio-termo instável, ou equívoco, ou contraditório, que desvenda o que há de frívolo em toda seriedade, e de sério em toda frivolidade. O homem de humor, diria Aristóteles, ri como se deve (nem de mais nem de menos), quando se deve e do que se deve… Mas quem decide é só o humor, que pode rir de tudo, inclusive de Aristóteles, inclusive do meio-termo, inclusive do humor… Riremos tanto melhor, ou o humor será tanto mais profundo, quando o sentido alcançar zonas mais importantes de nossa vida, ou acarretar com ele, ou fizer vacilar, trechos mais vastos de nossas significações, de nossas crenças, de nossos valores, de nossas ilusões, digamos, de nossa seriedade. Por vezes é o pensamento que parece implodir, por exemplo quando Lichtenberg evoca sua famosa “faca sem lâmina à qual falta o cabo”. Outras vezes, é a vaidade desta ou daquela ambição contemporânea, por exemplo a da velocidade, num campo particular, por exemplo o dos métodos ditos de leitura rápida: “Li toda Guerra e paz em vinte minutos”, conta Woody Allen; “fala da Rússia.” Outras vezes ainda, é o próprio sentido de nossas condutas ou reações que entra em jogo, que é como que fragilizada ou questionada, confundindo nossos valores, nossas referências, nossas pretensões… Woody Allen de novo: “Sempre trago uma espada comigo para me defender. Em caso de ataque, aperto o seu punho e ela se transforma em bengala branca. Então vêm me socorrer.” Notaremos que, neste último exemplo, há menos passagem do sentido ao disparate do que de um sentido (a máscula segurança da espada: eis um homem pronto para se bater) a outro sentido (a artimanha um tanto covarde da bengala branca). Mas essa passagem de um sentido a outro, e do mais estimável ao mais ridículo, fragiliza um e outro, dando razão com isso, pelo menos virtualmente, ao disparate. Outras vezes ainda (os exemplos que seguem são todos tirados de Woody Allen) é a angústia que se exprime, mas de maneira absurda, e que é como que exorcizada ou posta à distância: “Embora eu não tenha medo da morte, prefiro estar longe quando ela se produzir.” Ou nossos sentimentos é que são relativizados, ou que se relativizam uns aos outros: “É melhor amar ou ser amado? Nem um nem outro, se nossa taxa de colesterol exceder 5,35.” Outras vezes enfim (enfim, porque vou parar, mas poderia continuar, é claro, indefinidamente: sempre há um sentido a questionar, sempre uma seriedade a afastar), outras vezes, dizia para concluir, são nossas esperanças que desvendam o que eles têm de problemático (“a eternidade é longa, principalmente quando vai chegando ao fim”), de sórdido (“Se pelo menos Deus quisesse me dar um indício de sua existência… Se me depositasse uma boa grana num banco suíço, por exemplo!”) ou de improvável (“Não apenas Deus não existe, mas tentem encontrar um encanador no fim de semana!”)… Segui aqui Woody Allen – a todo senhor toda honra. Freud, que não teve a sorte de conhecê-lo, o teria apreciado, creio eu – Freud que gostava de evocar este anúncio de uma agência funerária americana: “Por que viver, se você pode ser enterrado por dez dólares?” Ele acrescentava o seguinte comentário: “Quando nos interrogamos sobre o sentido e o valor da vida, estamos doentes, pois nem um nem outro existem objetivamente…” É o que o humor manifesta e com o que se diverte, em vez de chorar. Isso torna a coincidir com Kierkegaard: “Cansado do tempo e de sua sucessão sem fim, o humorista dele se afasta de um pulo e encontra um alívio humorístico em constatar o absurdo.” Mas, para Kierkegaard, isso era menos a verdade do humor do que sua “falsificação”, sua “retratação” ou “revogação”, pelo que o humor trai sua verdadeira vocação, que é conduzir do ético ao religioso, de ser assim “o último estágio da existência interior antes da fé”, de ser mesmo, como dizia Kierkegaard, o incognito da religiosidade na ética, assim como a ironia era o incognito da ética na estética! Não acredito nem um pouco nisso, é claro. Se é verdade que o humor questiona a seriedade da ética, relativiza essa seriedade, desconfia dela, diverte-se com sua vaidade, suas pretensões, etc., de outro também questiona a seriedade do esteta, quando há seriedade (no esnobe, no mulherengo…), ou a seriedade mais freqüente, mais essencial, do homem religioso. Rir da ética em nome de um sentido superior (por exemplo, em nome da fé), não seria humor, seria ironia. O humor rirá antes da ética (ou da estética, ou da religião…) em nome de um sentido inferior, logo (tendencialmente) em nome do disparate ou, simplesmente, da verdade. Por exemplo, esta, que é de Pierre Desproges: “O Senhor disse: ‘Amarás o próximo como a ti mesmo.’ Pessoalmente, prefiro a mim mesmo, mas não introduzirei minhas opiniões pessoais nesse debate.” Ou esta, que é de Woody Allen: “Sempre obcecado pela idéia da morte, medito constantemente. Não cesso de me perguntar se existe uma vida ulterior, e, se houver uma, será que nela poderão me trocar uma nota de vinte dólares?” Somente a verdade é engraçada, em todo caso humorística, só ela pode sê-lo, e é por isso que o disparate tantas vezes nos diverte: porque nada é verdadeiro no sentido, a não ser pela seriedade que lhe damos e que o humor não suprime (pois não se pode gracejar sempre, pois não se deve, pois o humor supõe, para rir do sentido, que o sentido seja de certa forma mantido), mas relativiza, alivia, afasta, fragiliza de forma feliz, em relação à qual, enfim, ele nos liberta (pois se pode gracejar de tudo) sem a abolir (já que o humor deixa o real imutado e já que nossos desejos, nossas crenças, nossas ilusões fazem parte dele). O humor é uma desilusão alegre. É nisso que é duplamente virtuoso, ou pode sê-lo: como desilusão, tem a ver com a lucidez (portanto da boa-fé); como alegria, tem a ver com o amor, e com tudo. O espírito, repitamos com Alain, zomba de tudo. Quando zomba do que detesta ou despreza, é ironia. Quando zomba do que ama ou estima, é humor. O que mais amo, o que estimo mais facilmente? “Eu mesmo”, como dizia Desproges. Isso diz o suficiente sobre a grandeza do humor, e sobre sua raridade. Como não seria uma virtude? /André Comte-Sponville

A BOA - FÉ !

Falta-me uma palavra aqui para designar, entre todas essas virtudes, a que rege nossas relações com a verdade. Pensei primeiro em sinceridade, depois em veracidade ou veridicidade (que seria melhor, mas que o uso não abonou), antes de pensar, por um tempo, em autenticidade… Decidi-me finalmente por boa-fé, sem desconhecer que essa opção pode exceder o uso comum da palavra. Mas é boa-fé, por não ter encontrado palavra melhor. O que é a boa-fé? É um fato, que é psicológico, e uma virtude, que é moral. Como fato, é a conformidade dos atos e das palavras com a vida interior, ou desta consigo mesma. Como virtude, é o amor ou o respeito à verdade, e a única fé que vale. Virtude aletheiogal, porque tem a própria vontade como objeto. Não, claro, que a boa-fé valha como certeza, nem mesmo como verdade (ela exclui a mentira, não o erro), mas que o homem de boa-fé tanto diz o que acredita, mesmo que esteja enganado, como acredita no que diz. É por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo, isto é, uma crença ao mesmo tempo em que uma fidelidade. É crença fiel, e fidelidade no que se crê. Pelo menos enquanto se crê que seja verdade. Vimos, a propósito da fidelidade, que ela devia ser fiel antes de tudo ao verdadeiro: isso define muito bem a boa-fé. Ser de boa-fé não é sempre dizer a verdade, pois podemos nos enganar, mas é pelo menos dizer a verdade sobre o que cremos, e essa verdade, ainda que a crença seja falsa, nem por isso seria menos verdadeira. É o que se chama também de sinceridade (ou veracidade, ou franqueza), e o contrário da mentira, da hipocrisia, da duplicidade, em suma, de todas as formas, privadas ou públicas, da má-fé. Há mais, porém, na boa-fé do que na sinceridade – em todo caso é uma distinção que proponho. Ser sincero é não mentir a outrem; ser de boa-fé é não mentir nem ao outro nem a si. A solidão de Robinson, em sua ilha, dispensava-o de ser sincero (pelo menos até a chegada de Sexta-feira) e até tornava essa virtude sem objeto. Nem por isso a boa-fé deixava de ser necessária, em todo caso louvável e devida. A quem? A si, e isso basta. A boa-fé é uma sinceridade ao mesmo tempo transitiva e reflexiva. Ela rege, ou deveria reger, nossas relações tanto com outrem como conosco mesmos. Ela quer, entre os homens como dentro de cada um deles, o máximo de verdade possível, de autenticidade possível, e o mínimo, em conseqüência, de artifícios ou dissimulações. Não há sinceridade absoluta, mas tampouco há amor ou justiça absolutos: isso não nos impede de tender a elas, de nos esforçar para alcançá-las, de às vezes nos aproximarmos delas um pouco… A boa-fé é esse esforço, e esse esforço já é uma virtude. Virtude intelectual, se quisermos, pois refere-se à verdade, mas que põe em jogo (já que tudo é verdadeiro, até nossos erros, que são verdadeiramente errados, até nossas ilusões, que são verdadeiramente ilusórias) a totalidade de um indivíduo, corpo e alma, sensatez e loucura. É a virtude de Montaigne e sua primeira palavra: “É este um livro de boa-fé, leitor…” É também, ou deveria ser, a virtude por excelência dos intelectuais em geral e dos filósofos em particular. Os que dela carecem em excesso, ou que se pretendem livres dela, não são mais dignos desses nomes que os lisonjeiam e que eles desacreditam. O pensamento não é apenas um ofício, nem uma diversão. É uma exigência: exigência humana, e talvez a primeira virtude da espécie. Não foi suficientemente notado que a invenção da linguagem não cria em si mesma nenhuma verdade (pois todas elas são eternas), mas traz isto, que é novo: a possibilidade, não apenas da astúcia ou do logro, como nos animais, mas da mentira. Homo loquax: homo mendax. O homem é um animal que pode mentir, e que mente. É o que torna a boa-fé logicamente possível, e moralmente necessária. Dir-se-á que a boa-fé não prova nada; estou de acordo. Quantos canalhas sinceros, quantos horrores consumados de boa-fé? E, muitas vezes, o que há de menos hipócrita que um fanático? Os tartufos são legião, porém menos numerosos talvez, e menos perigosos, que os savonarolas e seus discípulos. Um nazista de boa-fé é um nazista: de que adianta sua sinceridade? Um canalha autêntico é um canalha: de que adianta sua autenticidade? Como a fidelidade ou a coragem, a boa-fé tampouco é uma virtude suficiente ou completa. Ela não substitui a justiça, nem a generosidade, nem o amor. Mas que seria uma justiça de má-fé? Que seriam um amor ou uma generosidade de má-fé? Já não seriam justiça, nem amor, nem generosidade, a não ser que corrompidos à força de hipocrisia, de cegueira, de mentira. Nenhuma virtude é verdadeira, ou não é verdadeiramente virtuosa sem essa virtude de verdade. Virtude sem boa-fé é má-fé, não é virtude. “A sinceridade”, dizia La Rochefoucauld, “é uma abertura de coração que nos mostra tais como somos; é um amor à verdade, uma repugnância a se disfarçar, um desejo de reparar seus defeitos e até de diminuí-los, pelo mérito de confessá-los.” É a recusa de enganar, de dissimular, de enfeitar, recusa que às vezes não passa, ela mesma, de um artifício, de uma sedução como outra qualquer, mas nem sempre, o que mesmo La Rochefoucauld admite, pela qual o amor à verdade se distingue do amor-próprio, que freqüentemente engana, por certo, mas que às vezes ele supera. Trata-se de amar a verdade mais que a si mesmo. A boa-fé, como todas as virtudes, é o contrário do narcisismo, do egoísmo cego, da submissão de si a si mesmo. É por intermédio disso que ela tem a ver com a generosidade, a humildade, a coragem, a justiça… Justiça nos contratos e nas trocas (enganar o comprador de um bem que vendemos, por exemplo não o avisando sobre determinado defeito oculto é agir de má-fé, é ser injusto), coragem de pensar e de dizer, humildade diante do verdadeiro, generosidade diante do outro… A verdade não pertence ao eu: é o eu que pertence a ela, ou que ela contém, e que ela permeia, e que ela dissolve. O eu é sempre mentiroso, sempre ilusório, sempre mau. A boa-fé liberta-se dele, e é por isso que ela é boa. Deve-se dizer tudo, então? Claro que não, pois não é possível. Falta tempo, e a decência o impede, a doçura o impede. Sinceridade não é exibicionismo. Sinceridade não é selvageria. Temos o direito de nos calar, e até devemos fazê-lo com freqüência. A boa-fé não proíbe o silêncio mas sim a mentira (ou o silêncio apenas quando mentiroso), e ainda assim nem sempre: voltaremos a isso. Veracidade não é patetice. Em todo caso, a verdade é “a primeira e fundamental parte da virtude”, como dizia Montaigne, que condiciona todas as outras e não é condicionada, em seu princípio, por nenhuma. A virtude não precisa ser generosa, suscetível de amor ou justa para ser verdadeira, nem para valer, nem para ser devida, ao passo que amor, generosidade ou justiça só são virtudes se antes de tudo forem verdadeiras (se forem verdadeiramente o que parecem ser), portanto se agirem de boa-fé. A verdade não obedece, nem mesmo à justiça, nem mesmo ao amor, a verdade não serve, nem compensa, nem consola. É por isso que, continua Montaigne, “é necessário amá-la por ela mesma”. Não há boa-fé de outro modo: “Aquele que diz a verdade porque é obrigado e porque ela serve, e que não teme dizer mentira, quando não importa a ninguém, não é suficientemente verdadeiro.” Não dizer tudo, pois, mas dizer – salvo dever superior – apenas o verdadeiro, ou o que se pensa ser verdadeiro. Há lugar aqui para uma espécie de casuística, no bom sentido do termo, que não enganará os que são de boa-fé. O que é a casuística? É o estudo dos casos de consciência, em outras palavras, das dificuldades morais que resultam, ou podem resultar, da aplicação de uma regra geral (por exemplo: “Não se deve mentir”) a situações singulares, muitas vezes mais ricas ou mais equívocas do que a própria regra, que nem por isso deixa de ser regra. A regra é bem enunciada por Montaigne, e é uma regra de boa-fé: “Nem sempre se deve dizer tudo, pois seria tolice; mas o que se diz, é preciso que seja tal como pensamos, senão é maldade.” Voltaremos a falar das exceções, para a regra que supõem e que não poderiam anular. A boa-fé é essa virtude que faz da verdade um valor (isto é, já que não há valor em si, um objeto de amor, de respeito, de vontade…) e a ela se submete. Fidelidade antes de tudo ao verdadeiro, sem o que qualquer fidelidade não passa de hipocrisia. Amor à verdade, antes de tudo, sem o que todo amor não passa de ilusão ou de mentira. A boa-fé é essa fidelidade, a boa-fé é esse amor, em espírito e em ato. Digamos melhor: a boa-fé é o amor à verdade, na medida em que esse amor comanda nossos atos, nossas palavras, até mesmo nossos pensamentos. É a virtude dos verídicos. O que é um homem verídico? É aquele, explicava Aristóteles, que “ama a verdade” e que por isso recusa a mentira, tanto por excesso como por falta, tanto por fabulação como por omissão. Ele se mantém “num meio-termo”, entre gabolice e dissimulação, entre fanfarronice e segredo, entre falsa glória e falsa modéstia. É “um homem sem meandros, sincero ao mesmo tempo em sua vida e em suas palavras, e que reconhece a existência de suas qualidades próprias, sem nada acrescentar a elas e sem nada delas subtrair.” Uma virtude? Claro: “Em si mesma, a falsidade é coisa baixa e repreensível, e a sinceridade coisa nobre e digna de elogio.” Felizes gregos, nobres gregos, para quem essa evidência não era nem superada nem superável! Se bem que… Eles também tinham seus sofistas, como nós temos os nossos, que essa ingenuidade, como eles dizem, fará sorrir. Pior para eles. O que vale um pensamento, a não ser pela verdade que contém ou busca? Chamo de sofística qualquer pensamento que se submete a outra coisa que não a verdade, ou que submete a verdade a outra coisa que não ela mesma. A filosofia é seu contrário na teoria, como a boa-fé o é na prática. Trata-se de viver e de pensar, tanto quanto possível, em verdade, ainda que à custa da angústia, da desilusão ou da infelicidade. Fidelidade ao verdadeiro, antes de tudo: mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa alegria. Que a boa-fé tenha sobretudo de haver-se com a gabolice, pois resiste a ela, foi o que Aristóteles percebeu muito bem e que confirma sua oposição ao narcisismo ou ao amor-próprio. O amor a si? Não, é claro, já que o verídico é amável, já que o amor a si é um dever, já que seria mentir, simular, para consigo mesmo, uma impossível indiferença. Mas o homem verídico se ama como é, como se conhece, e não como gostaria de parecer ou de ser visto. É o que distingue o amor a si do amor-próprio, ou a magnanimidade, como diz Aristóteles, da vaidade. O homem magnânimo “preocupa-se mais com a verdade do que com a opinião pública, fale e age abertamente, pois o pouco caso que faz dos outros lhe permite exprimir-se com franqueza. É por isso que ele gosta de dizer a verdade, salvo nas ocasiões em que emprega a ironia, quando se dirige à massa.” Dir-se-á que a essa magnanimidade falta caridade, o que é verdade; mas não por causa da veracidade que ela comporta. Mais vale uma verdadeira grandeza do que uma falsa humildade. E também é verdade que ela se preocupa demais com a honra; mas nunca à custa da mentira. Mais vale uma verdadeira altivez do que uma falsa glória. O verídico submete-se à norma da idéia verdadeira dada, como diria Spinoza, ou possível, como eu acrescentaria: ele diz o que sabe ou crê ser verdadeiro, nunca o que sabe ou o que crê ser falso. A boa-fé exclui então toda mentira? Parece que sim, e quase por definição: como se mentiria de boa-fé? Mentir supõe que se conheça a verdade, ou que se creia conhecê-la, e que se diga deliberadamente outra coisa que não o que se sabe ou o que se crê. É isso que a boa-fé proíbe, ou recusa. Ser de boa-fé é dizer o que se pensa ser verdadeiro: é ser fiel (em palavras ou atos) à sua crença, é submeter-se à verdade do que se é ou se pensa. Toda mentira seria, pois, de má-fé, e por isso condenável. Esse rigorismo, que a meu ver é dificilmente sustentável, parece, no entanto, assumido por Spinoza e Kant. Tal encontro entre essas duas sumidades merece ao menos um exame. “O homem livre nunca age como enganador”, escreve Spinoza, “mas sempre de boa-fé.” De fato, o homem livre é aquele que só se submete à razão, que é universal: se ela autorizasse a mentira, ela sempre a autorizaria, e qualquer sociedade humana seria impossível. Muito bem. Mas se for, para tal indivíduo, sob risco de sua própria vida? Isso não altera nada, responde tranqüilamente Spinoza, pois a razão, sendo a mesma em todos, não poderia depender dos interesses, mesmo que vitais, de cada um. Daí este escólio surpreendente: Perguntaram se, caso um homem pudesse se livrar pela má-fé de um perigo de morte iminente, a regra da conservação do ser próprio não mandaria nitidamente a má-fé. Eu respondo também: se a razão manda isso, ela o manda pois a todos os homens, assim a razão manda de uma maneira geral a todos os homens que só concluam entre si, para a união de suas forças e o estabelecimento dos direitos comuns, acordos enganadores, isto é, manda que não tenham na realidade direitos comuns, o que é absurdo. Nunca entendi, em todo caso nunca de uma maneira que me satisfizesse completamente, como esse escólio podia se harmonizar com as proposições 20 a 25 da mesma parte da Ética, onde o esforço para se conservar é, ao contrário, “a primeira e única origem da virtude”, ao mesmo tempo em que sua medida e seu fim. Noto todavia que Spinoza não proíbe em absoluto a mentira, mas constata que a razão, que é única a ser livre, não poderia ordená-la. As duas coisas são diferentes, dado que a razão não é tudo, no homem, nem mesmo o essencial (o essencial é o desejo, o essencial é o amor), e que nenhum homem é absolutamente livre ou absolutamente razoável, nem deve sê-lo, nem mesmo querer sê-lo. O homem que age como enganador nunca o faz, precisa a demonstração, “como homem livre”. Que seja. E a mentira e a esperteza nem por isso seriam, em si mesmas, virtudes. Que seja, também. Mas seria, com freqüência, irrazoável só ouvir a razão, seria condenável só amar a virtude, seria fatal para a liberdade só querer agir enquanto livre. A boa-fé é uma virtude, mas a prudência também, e a justiça, e a caridade. Se for necessário mentir para sobreviver, ou para resistir à barbárie, ou para salvar a quem se ama, a quem se deve amar, não há a menor dúvida, para mim, de que se deva mentir, quando não há outro meio, ou quando todos os outros meios seriam piores, e Spinoza, parece-me, admitiria isso. A razão, claro, não poderia mandá-lo, já que ela é universal, o que a mentira não poderia ser: se todo o mundo mentisse, para que mentir, pois ninguém teria crédito, e para que falar? Mas essa razão será apenas abstrata, se o desejo não se apoderar dela, se não a fizer viver. Ora, o desejo é sempre singular, sempre concreto, e por isso aliás pode-se mentir, como reconhece o Tratado político, sem violar o direito natural nem (ou isto é) o interesse de cada um, ou mesmo de todos. A vontade, não a razão, comanda; o desejo, não a verdade, dita sua lei. O desejo de verdade, que é a essência da boa-fé, permanece nisso submetido à verdade do desejo, que é a essência do homem: ser fiel ao verdadeiro não poderia dispensar ser fiel à alegria, ao amor, à compaixão, enfim, como diz Spinoza, à justiça e à caridade, que são toda a lei e a verdadeira fidelidade. Ser fiel ao verdadeiro, em primeiro lugar, é também ser fiel à verdade em si do desejo: se é necessário enganar o outro ou se trair, enganar o mau ou abandonar o fraco, faltar com a palavra ou com o amor, a fidelidade ao verdadeiro (a esse verdadeiro que somos, que carregamos, que amamos) pode às vezes impor a mentira. É por isso que, mesmo nesse estranho escólio da proposição 72, Spinoza, tal como o compreendo, permanece diferente de Kant. A boa-fé é uma virtude, é claro, o que a mentira não poderia ser, mas isso não quer dizer que toda mentira seja condenável nem, a fortiriori, que devamos sempre nos proibir de mentir. Nenhuma mentira é livre, por certo; mas quem pode ser sempre livre? E como o seríamos, diante dos maus, dos ignorantes, dos fanáticos, quando eles são os mais fortes, quando a sinceridade para com eles seria cúmplice ou suicida? Caute… A mentira nunca é uma virtude, mas a tolice também não, mas o suicídio também não. Simplesmente, às vezes é preciso se contentar com o mal menor, e a mentira pode sê-lo. Kant vai muito mais longe e muito mais claramente. A mentira não apenas nunca é uma virtude, como é sempre uma falta, sempre um crime, sempre uma indignidade. É que a veracidade, que é seu contrário, é “um dever absoluto que vale em todas as circunstâncias” e que, sendo “totalmente incondicionado”, não poderia admitir a menor exceção “a uma regra que, por sua própria essência, não tolera nenhuma”. Isso equivale a pensar, objetava Benjamin Constant, que mesmo “para assassinos que lhe perguntassem se seu amigo, que eles perseguem, não está refugiado em sua casa, a mentira seria um crime”. Mas Kant não se deixa impressionar por tão pouco: seria um crime, de fato, pois a humanidade se situa aí, na palavra verdadeira, pois a veracidade é “um mandamento da razão, que é sagrado, absolutamente imperativo, que não pode ser limitado por nenhuma conveniência”, nem mesmo a conservação da vida de outrem ou da própria. A intenção aqui não entra em jogo. Não há mentira piedosa, ou antes, mesmo piedosa, mesmo generosa, toda mentira é condenável: “Sua causa pode ser a leviandade, ou mesmo a bondade, e mesmo mentindo podemos nos propor uma finalidade boa; mas por sua simples forma a maneira de tender a esse fim é um crime do homem para com sua própria pessoa e uma indignidade que o torna desprezível a seus próprios olhos.” Ainda que assim fosse, é dar muita importância, parece-me, à sua própria pessoa. O que é essa virtude tão preocupada consigo, com sua integridade, com sua dignidade, que, para se preservar, está disposta a entregar um inocente a assassinos? O que é esse dever sem prudência, sem compaixão, sem caridade? A mentira é uma falta? Sem dúvida. Mas a aridez de coração também, e mais grave! A veracidade é um dever? Admitamos. Mas a assistência a uma pessoa em perigo é outro, e mais premente. Ai de quem prefere sua consciência à do próximo! Já chocante no século XVIII, como mostra a objeção de Benjamin Constant, a posição de Kant tornou-se, no meado do nosso, propriamente insustentável. Porque a barbárie adquiriu, neste triste século XX, outra dimensão, perto da qual qualquer rigorismo é ilusório, quando só ocupa a consciência, ou odioso, quando equivale a servir efetivamente aos carrascos. Você abriga um judeu ou um resistente em seu sótão. A Gestapo, que o procura, interroga você. Você irá dizer-lhes a verdade? Irá se recusar a responder (o que daria na mesma)? Claro que não! Qualquer homem honrado, qualquer homem de coração e mesmo qualquer homem de dever irá sentir-se não apenas autorizado mas obrigado a mentir. É o que digo: a mentir. Porque a mentira não deixará de ser o que ela é, uma declaração intencionalmente falsa. “Mentir aos policiais alemães que nos perguntam se escondemos um patriota em casa”, escreve Jankélévitch, “não é mentir, é dizer a verdade; responder: não há ninguém, quando há, é [nessa situação] o mais sagrado dos deveres.” Concordo obviamente com a segunda proposição; mas como aceitar a primeira sem renunciar a pensar o problema que pretendemos resolver, sem se impedir com isso, por dissolvê-lo, de o formular? Mentir aos policiais alemães é, evidentemente, mentir, e isso prova apenas (pois essa mentira, no exemplo considerado, é seguramente virtuosa) que a veracidade não é um dever absoluto, não obstante o que Kant tenha pensado, não é um dever universal, e talvez não haja deveres absolutos, universais, incondicionais (portanto, nenhum dever, no sentido kantiano), mas apenas valores, mais ou menos elevados, mas apenas virtudes, mais ou menos preciosas, urgentes ou necessárias. A veracidade é uma, repitamos. Mas menos importante do que a justiça, do que a compaixão, do que a generosidade, menos importante do que o amor, evidentemente, ou antes, menos importante, como amor à verdade, do que a caridade como amor ao próximo. De resto, o próximo também é verdadeiro, e essa verdade em carne e osso, essa vontade sofredora, é mais importante – ainda mais importante! – do que a veracidade de nossas palavras. Fidelidade ao verdadeiro antes de tudo, mas mais ainda à verdade dos sentimentos do que a de nossas declarações, mais à verdade da dor do que à da palavra. Transformando a boa-fé num absoluto a perdemos, pois ela deixa de ser boa, pois torna-se apenas veracidade ressecada, mortífera, odiável. Já não é boa-fé, é veridismo; já não é virtude, é fanatismo. Fanatismo teórico, desencarnado, abstrato: fanatismo de filósofo, que gosta loucamente da verdade. Mas nenhum fanatismo é virtuoso. Tomemos outro exemplo, menos extremo. Devemos dizer a verdade ao moribundo? Sim, sempre, responderia Kant, pelo menos se o moribundo perguntar, pois a veracidade é um dever absoluto. Não, nunca, responde Jankélévitch, pois seria lhe infligir sem razão “a tortura do desespero”. O problema me parece mais complicado. Dizer a verdade ao moribundo, quando ele pede, quando ele pode suportá-la, pode ser também ajudá-lo a morrer na lucidez (mentir ao moribundo não é lhe roubar sua morte, como dizia Rilke?), na paz, na dignidade, a morrer na verdade, como ele viveu, como quis viver, e não na ilusão ou na negação. “Quem diz ao moribundo que ele vai morrer mente”, escreve Jankélévitch; “primeiro ao pé da letra, pois ele não o sabe, porque só Deus sabe, porque nenhum homem tem direito de dizer a outro homem que este vai morrer”, em seguida “quanto ao espírito, porque lhe faz mal”. Mas, quanto à letra, é confundir boa-fé com certeza, sinceridade com onisciência: o que impede o médico ou os próximos de dizerem sinceramente o que sabem ou crêem, inclusive os limites, nesses domínios, do saber e da crença? E, quanto ao espírito, é dar muito pouco valor à verdade e muito pouca estima ao espírito. Colocar a esperança acima da verdade, acima da lucidez, acima da coragem é por o espírito alto demais. Que vale a esperança, se é à custa de mentira, à custa de ilusão? “Os homens pobres e sós não devem ser afligidos”, diz ainda Jankélévitch, “isso é mais importante que tudo, mesmo que a verdade.” Sim, se a aflição for atroz, se o homem só e pobre não puder suportá-la, se apenas a ilusão o fizer viver. Mas é sempre assim? E de que adianta então a filosofia, de que adianta a própria sinceridade, se ambas devem se deter ao aproximar-se da morte, se a verdade só vale quando nos tranqüiliza, quando não implica o risco de nos afligir? Desconfio dos que dizem nunca, nesses domínios, tanto quanto dos que dizem sempre. Que se possa mentir por amor ou por compaixão, e que se deva fazê-lo às vezes, estou de acordo, é claro. O que há de mais imbecil, e de mais covarde, do que impormos aos outros uma coragem de que não temos certeza de ser capazes? Sim: cabe ao moribundo primeiro decidir, quando pode, da importância que dá à verdade, e ninguém está capacitado, quando ele não pode, a decidir em seu lugar. Doçura, pois, em vez de violência: a compaixão prevalece aqui, e deve prevalecer, sobre a veracidade. Mas a verdade ainda assim continua sendo um valor, do qual não poderíamos privar o outro, sobretudo se ele a pedir, sem razões muito fortes e precatados. O conforto não é tudo. O bem-estar não é tudo. Que seja necessário suprimir o sofrimento físico, na medida do possível, está claro, e nossos médicos deveriam ocupar-se mais disso. Mas e o sofrimento moral, e a angústia, e o medo, quando fazem parte da própria vida? “Morreu sem perceber”, dizem às vezes. Será mesmo uma vitória da medicina? Pois, afinal de contas, ele acabou morrendo, e a tarefa dos médicos, que eu saiba, é nos curar quando podem, não nos esconder que não podem. “Se eu lhe disser a verdade, ele vai se matar”, disse-me um médico. Mas o suicídio nem sempre é uma doença (também é um direito, do qual, assim, privamos o doente); a depressão, sim, é uma, doença da qual se trata. Os médicos existem para tratar, não para decidir no lugar de seu paciente se sua vida – e sua morte! – vale ou não a pena ser vivida. Cuidado, amigos médicos, com o paternalismo: vocês têm a seu encargo a saúde de seus pacientes, mas não sua felicidade, mas não sua serenidade. Um moribundo não tem o direito de ser infeliz? Não tem o direito de ficar angustiado? O que é então, nessa infelicidade, nessa angústia, que os assusta tanto assim? Isso é dito, ou deve ser dito, como sempre, sob reserva da compaixão, da doçura, da ternura… Mais vale mentir do que torturar, mais vale mentir do que apavorar. A verdade não toma o lugar de tudo. Mas nenhuma virtude tampouco poderia tomar o lugar da verdade, nem valer absolutamente sem ela. A morte mais bela, moralmente, espiritualmente, humanamente, é a mais lúcida, a mais serenamente lúcida, e é também nosso dever acompanhar os moribundos, quando for preciso, quando eles puderem, até essa verdade derradeira. Quem ousaria mentir, em seus derradeiros momentos, a Cristo ou a Buda, a Sócrates ou a Epicuro, a Spinoza ou a Simone Weil? Dir-se-á que essas personagens não pululam nas ruas, nem nos quartos de hospital. Sem dúvida. Não obstante é necessário nos ajudarem a nos aproximarmos delas, quando pudermos, mesmo um pouquinho, em vez de nos vedarem de antemão esse gosto, mesmo que amargo, ou essa possibilidade, mesmo que dolorosa. A veracidade, mesmo que no leito de morte, continua pois a valer. Não sozinha, repitamos: a compaixão também vale, o amor também vale, e mais. Brandir a verdade a quem não a pediu, a quem não a pode suportar, a quem será dilacerado ou esmagado por ela, não é boa-fé: é brutalidade, é insensibilidade, é violência. Portanto, deve-se dizer a verdade, ou o mais de verdade possível, pois a verdade é um valor, pois a sinceridade é uma virtude; mas não sempre, mas não a qualquer um, mas não a qualquer preço, mas não de qualquer maneira! É preciso dizer a verdade tanto quanto possível, ou tanto quanto devido, digamos que tanto quanto possível fazer sem faltar com isso a alguma virtude mais elevada ou mais urgente. É aí que voltamos a encontrar Jankélévitch: “Ai dos que põem acima do amor a verdade criminosa da delação! Ai dos brutos que dizem sempre a verdade! Ai dos que nunca mentiram!” No entanto, isso só vale em relação a outrem: porque é legítimo preferir o outro, principalmente quando ele sofre, principalmente quando ele é fraco, à sua própria veracidade. É aí que a boa-fé vai mais longe que a sinceridade, e se impõe, ou é válida, universalmente. Às vezes, é legítimo, inclusive moralmente, mentir a outrem em vez de lhe dizer a verdade. Mas a má-fé não poderia, em relação a si mesmo, valer mais que a boa, pois seria colocar-se acima da verdade, e seu conforto ou sua consciência tranqüila acima de seu espírito. Seria pecar contra o verdadeiro e contra si. A todo pecado misericórdia, sem dúvida: cada um faz o que pode, e a vida é difícil demais, cruel demais, para que se possa, nesses domínios, condenar quem quer que seja. Quem sabe, diante do pior, o que irá fazer, e a quantidade de verdade, então, que será capaz de suportar? Misericórdia, misericórdia para todos! Isso não significa, porém, que tudo se equivale, nem que a má-fé em relação a si mesmo pode ser considerada moralmente neutra ou indiferente. Se é legítimo mentir ao mau, por exemplo quando nossa vida está em jogo, não é que nos coloquemos então acima da verdade, pois isso não nos impede em nada de amá-la, de respeitá-la, de nos submetermos a ela, pelo menos interiormente. É no próprio nome do que acreditamos verdadeiro que mentimos ao assassino ou ao bárbaro, e são mentiras, nesse sentido, de boa-fé. É aí que cumpre distinguir a sinceridade, que se dirige a outrem e autoriza toda espécie de exceções (é boa-fé transitiva e condicional), da boa-fé reflexiva, que só se dirige a si e que, por conseguinte, é universalmente válida. Que é necessário mentir às vezes a outrem, por prudência ou compaixão, já vimos e não vou voltar a isso. Mas o que poderia justificar mentirmos a nós mesmos? A prudência? Seria colocar nosso bem-estar acima da lucidez, nosso ego acima de nosso espírito. A compaixão? Seria carecer de coragem. O amor? Mas, sem a boa-fé, não passaria de amor-próprio e narcisismo. Jean-Paul Sartre, numa problemática que não é a minha, mostrou que a má-fé, como “mentira a si”, trai (isto é, indissoluvelmente, exprime e nega) uma dimensão essencial de qualquer consciência humana, que lhe impede de coincidir absolutamente consigo, como uma coisa ou um fato. Acreditar-se absolutamente garçom de bar, ou professor de filosofia, ou triste ou alegre, assim como uma mesa é uma mesa, e mesmo acreditar-se absolutamente sincero, assim como se é louro ou moreno, é ser de má-fé, sempre, pois é esquecer que se deve ser o que se é (em outras palavras, não se é já, nem definitivamente), pois é negar sua própria angústia, seu próprio nada, sua própria liberdade. Por isso a má-fé é, para toda consciência, “um risco permanente”. Mas é um risco que precisamos enfrentar, e que não poderíamos sem má-fé transformar em fatalidade ou em desculpa. A má-fé não é um ser, nem uma coisa, nem um destino, mas a coisificação do que somos, do que cremos ser, do que queremos ser, sob a forma, necessariamente artificial, do em-si-por-si, que seria Deus e que não é nada. O contrário da má-fé também não é um ser (crer que se é de boa-fé é se mentir), nem uma coisa, nem mesmo uma qualidade: é um esforço, é uma exigência, é uma virtude. Assim é a autenticidade, em Sartre, assim é a boa-fé, em qualquer um, quando não é coincidência em si de uma consciência satisfeita ou petrificada, mas subtração perpétua à mentira, ao espírito de seriedade, a todos os papéis que representamos ou que somos, em suma, à má-fé, e a si. A pensá-la em sua maior generalidade, a boa-fé nada mais é que o amor à verdade. É por isso que ela é a virtude filosófica por excelência, não, claro, no sentido em que seria reservada a qualquer um, mas em que será filósofo, no sentido mais forte e mais comum do termo, quem colocar a verdade, pelo menos no que lhe diz respeito, acima de tudo, honra ou poder, felicidade ou sistema, e até mesmo acima da virtude, até mesmo acima do amor. Este prefere saber-se mau a fingir-se bom, e olhar de frente o desamor, quando ele se produzir, ou seu próprio egoísmo, quando ele reinar (quase sempre!), a se persuadir falsamente de ser amante ou generoso. No entanto, sabe que a verdade sem a caridade não é Deus. Mas também sabe, ou crê saber, que a caridade sem a verdade não passa de uma mentira entre outras, e não é caridade. Spinoza chamava amor intelectual a Deus essa alegria de conhecer, qualquer que seja, aliás, seu objeto (“quanto mais conhecemos as coisas singulares, mais conhecemos Deus”), já que tudo é em Deus, e já que Deus é tudo. Era exagerar, sem dúvida, se nenhuma verdade é Deus, nem sua soma, se nenhum Deus é verdadeiro. Mas era indicar, no entanto, o essencial: que o amor à verdade é mais importante do que a religião, que a lucidez é mais preciosa do que a esperança, que a boa-fé vale mais e é melhor que a fé. É também o espírito da psicanálise (“a verdade, e ainda a verdade”), sem o qual ela não passaria de uma sofística como outra qualquer, o que ela é com freqüência e a que não escapa, a não ser pelo “amor à verdade”, como dizia Freud, “o que deve excluir toda e qualquer ilusão, todo e qualquer logro”. É o espírito de nosso tempo, quando ainda tem espírito, quando não o perdeu ao mesmo tempo em que a fé. É o espírito eterno e fugaz, que “escarnece de tudo”, como dizia Alain, e de si mesmo. Da verdade? Isso lhe acontece, mas também é uma maneira de amar. Venerá-la, fazer dela um ídolo, fazer dela até um deus, seria mentir. Todas as verdades se equivalem, e não valem nada: não é porque a verdade é boa que devemos amá-la, diria Spinoza, é porque a amamos que ela nos parece boa, e o é de fato para os que a amam. A verdade não é Deus: ela só vale para os que a amam, e por eles, ela só vale para os verídicos, que a amam sem adorá-la, que se submetem a ela sem por ela se deixarem enganar. O amor é, pois, primeiro? Sim, mas apenas se verdadeiro: primeiro no valor, pois, e segundo no ser. É o espírito do espírito, que prefere a sinceridade à mentira, o conhecimento à ilusão, e o riso à seriedade. Por isso a boa-fé leva ao humor, assim como a má-fé, à ironia. /André Comte-Sponville