Não é sem ansiedade que ouvimos os noticiários de TV; também não me parece que é casual o tipo de informação que, de forma sistemática, vem sendo veiculada em todos os meios de comunicação, como se insistissem em nos fazer ver. Falo das questões da ética (nas relações sociais, na política, nas instituições e nos dispositivos que as sustentam), dos impasses que surgem envolvendo, simultaneamente, problemas relativos à ecologia e à tecnologia e à própria condição de sobrevivência da humanidade e do planeta, da violência, do tráfico de menores, de drogas, de influências... . Parece-me que este cenário pode ser tomado como um analisador, não só do nosso tempo, mas, sobretudo, daquilo que nos exige atenção e que é necessário e urgente que problematizemos. As interfaces entre as competências já se mostram aí, teimando em nos dizer que, se durante um longo tempo tratamos estas questões e tantas outras de forma isolada, fragmentária e com soluções paliativas, já é tempo de pensa-las como interdependentes, conectadas e em mútuo processo de afetação. Se tudo o que afeta o planeta atinge o homem, parece-me que nenhuma ação individual na perspectiva de salvaguardar seu próprio território ou “criação” dará conta das demandas e das urgentes soluções que este cenário se nos coloca. É bem verdade que, se não somos muitos, cada vez somos mais; Ainda que a corrente force sua direção no sentido da modelização, da esteriotipia, da inconsciência social, política e até mesmo de si como humano, mesmo assim, há um movimento de resistência ao que aí está como natural e, como diria Brecht, imutável. Exemplo disso e que vale a pena ligar a TV para assistir, foi um documentário sobre a vida do famoso maestro Hebert Von Karajan. Me chamou especial atenção, por que não dizer me comoveu, a preocupação do maestro em pesquisar a relação entre a música e as crianças autistas. Para o maestro, estas crianças “não só tem um especial talento para a música e a matemática”, como também estabelecem com a música uma forma de relação tão intensa e dialógica que esta funciona como um excelente instrumento terapêutico. Mais do que isto, o Maestro dedicava alguns trabalhos exclusivamente para este público, pois percebia que para estas crianças “a música deveria ser mais suave”. Seu envolvimento com este trabalho levou-o a fundar um Centro de Pesquisa Neurológica e Desenvolvimento da Criança Autista, centro que continua desenvolvendo suas atividades até hoje. O documentário também dizia que, embora seu ofício fosse a música, ofício a que se dedicou em toda sua vida, o maestro ocupou-se, igualmente, da interdisciplinaridade; com freqüência convidava físicos, matemáticos, filósofos, enfim, cientistas das mais diversas áreas para darem palestras abertas a todos os que se interessassem por esta questão. É dele a frase: “A vida só existe para possibilitar a arte ou para cria-la”. Nada mais a acrescentar como comentário, mas muito a refletir.... Em uma época de carências as mais variadas, inclusive de utopias, eis o possível. Utopia não como uma projeção abstrata do futuro, mas no sentido de uma reflexão profunda sobre a realidade, reflexão sobre o que não foi feito e por que não o foi, para, a partir daí, traçar possibilidades... . Mas como foi dito, as ações individuais não nos levarão a nada. O maestro tinha sua orquestra que também acreditava; tinha os pais destas crianças que também apostaram nisso. Muitos se apropriaram desta possibilidade para torna-la possível. /Ana Lúcia Francisco - Psicóloga