terça-feira, 16 de setembro de 2008

A ERA DA INCERTEZA !

Tudo o que era sólido desmanchou no ar, nos anos 80. A década de 80 começou com o assassinato de Lennon e terminou com o colapso do mundo comunista, seguido da invasão do Panamá e da guerra do golfo, ainda na gestão do ex-diretor da Cia George Bush, versão light de seu antecessor, Ronald Reagan. A revolução sexual parecia consolidada, só que surgiu a AIDS para derrotá-la. Os anos 80 começavam com clima de contra-revolução, fim do sonho hippie. Jerry Rubin, militante radical dos 60 e autor da frase “não confie em ninguém com mais de trinta”, virava notícia em 1980 por ter arrumado emprego em Wall Street. Na passagem de 70/80 foram retomados mitos como Elvis e os Beatles, e na onda da nostalgia da Era de Aquário, voltaram conjuntos como Rolling Stones, Animals e afins, Simon and Garfunkel se reuniram num megaconcerto no Central Park, gravaram discos, fizeram turnês, tudo aproveitando o desejo de volta à juventude de desiludidos mas endinheirados baby-boomers. O ex-ator Ronald Reagan, canastrão em Hollywood, foi exercer sua canastrice na casa branca. Exumou a paranóia da guerra fria após o governo de Jimmy Carter, repleto de fracassos que davam a sensação de fracasso nacional aos EUA. Reagan decidiu jogar pesado, ameaçando atacar a Nicarágua e ocupando a ilha de Granada em 1983, após a subida ao poder de um governo de esquerda neste pequeno país caribenho. Reagan chamou a União Soviética de “Império do Mal”, e criou uma fase de prosperidade que comprometeu as economias de países da América Latina, por exemplo, mas beneficiou os EUA. E gerou os yuppies. O nome yuppie é uma sigla, significando Young Urban People, Pessoas Jovens Urbanas, ao pé da letra. Se John e Yoko haviam sido o casal símbolo dos 70, e Bob Dylan e Joan Baez o dos 60, o dos 80 seria o empresário Donald Trump e sua esposa. Renegando os valores dos beatniks e dos hippies, estes jovens estavam decididos a fazer o jogo do Sistema e faturar alto. Como trabalhavam obsessivamente, precisavam tomar estimulantes, e um dos preferidos foi a cocaína. Aliás foi nesta década que o narcotráfico dominou a Colômbia, tornando-a o país mais violento do mundo.Uma extravagância típica dos jovens executivos de Wall Street era beber a àgua mineral francesa Perrier, símbolo de status. Eles não desprezavam inteiramente a contestação, mas preferiam consumi-la do que vivenciá-la.Os anos 80 foram, por assim dizer, o império do efêmero. A obsessão com o descartável nos faz imaginar que poderiam inventar as pessoas descartáveis:e lá estão elas no filme de Ridley Scott, Blade Runner, baseado no romance de Phillip K. Dick, O Caçador de Andróides. Os replicantes do filme, cópias de cópias, condenados à busca de uma origem que não existe, são os protagonistas por excelência da década. Os anos 80 são uma volta ao que havia antes, aos anos 50, mas agora pior. As tendências da moda são agora ditadas até por dirigentes políticos como Reagan e surgem manifestações culturais de tendência claramente reacionária. Um disco que foi tão influente para este tempo quanto o Sergeant Peppers dos Beatles era para os hippies é The Wall, do Pink Floyd, aliás o canto de cisne deste conjunto de rock nascido na Londres psicodélica e que viveu seu auge com Dark Side of the Moon(73), fazendo o chamado rock progressivo, uma fusão com a música clássica européia. The Wall é uma ópera-rock bombástica composta em 1979 quase que só por Roger Waters, baixista do Floyd, que acabara tornando os outros músicos uma mera banda de acompanhamento para sua egotrip. O disco duplo-teria ficado ainda maior se não tivesse sofrido cortes de Waters-conta a história de Pink, um roqueiro enfastiado com a tríade sexo, droga e rock. Seu pai”voou através do oceano” e deixou-lhe apenas mais um tijolo no muro, uma morte entre tantas na batalha de Ânzio, na Itália.Quando cresceu criado pela mãe dominadora e autoritária, foi para a escola onde havia certos professores que “machucavam as crianças/ Despejando sua zombaria/ Sobre qualquer coisa que fizéssemos / Expondo todas as fraquezas/ Por mais cuidadosamente que tenham sido escondidas pelas crianças”. Uma vez no mundo do rock, descobriu que “é melhor você maquiar seu rosto/com seu disfarce favorito”e tornou-se um ídolo deprimido, atormentado, pois” a criança cresceu, o sonho se foi”e para se manter toma umas picadinhas de agulha que o deixam confortavelmente anestesiado, mas em condiçoes de dar prosseguimento ao show. Em carne e osso ele é um ídolo que se veste de uniformes parecidos com os dos nazifascistas e persegue as bichas, os pretos e judeus que ousem comparecer a seu show. Ele avisa que fãs devem ser colocados em seus devidos lugares e que “se fosse à minha maneira , mandaria todos serem fuzilados”. Se alguém quiser descobrir o quê há por trás daqueles olhos frios, será preciso abrir caminho, com as garras, através do disfarce. No cinema alguns filmes trouxeram traços distintivos dos anos 80: em Atração Fatal o predador implacável de mulhers, em Wall Street o de mercados financeiros. Kim Bassinger foi musa do eros yuppie em Nove e Meia Semanas de Amor. Sexo, Mentiras e Videoteipe definiu os dois tipos de homem do final da década:o egoísta, o yuppie; e o problemático, mas altruísta e perturbado, que só consegue sentir prazer assistindo a vídeos de mulheres falando de sexo. Rumble Fish e Vidas Sem Rumo, filmes de Coppola baseados em livros de Susan E. Hinton, mostraram a desidratação da contracultura nos anos 80, nestas histórias de adolescentes desajustados que se reúnem formando gangues ou turmas, às voltas com os valores de uma sociedade que oscila entre reprimir esta rebeldia com brutalidade ou domesticá-la, cuidando de absorvê-la na medida do possível. Este processo de absorção teve seu auge nos 80, com a subsequente diluição através da moda. Surgem, em meio à moda da caretice, os roqueiros reacionários, exemplificados muito bem pelos Guns And Roses, que cantam músicas machistas, protestando contra os “crioulos”, “bichas”e “imigrantes” que chegam aos EUA e “acham que podem fazer o que quiserem”. Isso talvez esteja ligado ao fato de que o padrão estabelecido pelos jovens dos anos 60 foi muito alto. As drogas, o orientalismo, a Pop Art, isto tudo representou uma mudança inédita. A única inovação que se compara é a dos punks, que tornaram moda entre os adolescentes uma parafernália nazista e sadomasoquista-só que o punk queria era chocar, e logo o look punk se tornou comum, devido à superexposição na mídia. Alguns de seus protagonistas enriqueceram e se converteram ao materialismo rutilante de Hollywood, como Johnny Rotten(Lydon) e Billy Idol. Este último tornou-se uma estrela ao vender o punk diluído para as massas americanas, posando de “Elvis punk”. Isso após participar da banda Generation X, onde fazia performances musicais, teatrais e poéticas. Idol passou a vender a inovação a preços módicos, ganhando com isso fama e fortuna. Nos anos 80 surgiram os punks de vitrine, dos quais Idol é um bom exemplo, numa repetição do que ocorreu com os hippies. Os anos 80 foram anfetamínicos, marcados pelo lema “viver para trabalhar”, e por um estilo de vida marcado pela ostentação, busca de prestígio e eventualmente pela cocaína. Como diz Jay McInerney em seu livro Brilho da Noite, Cidade Grande, o cérebro do yuppie é “formado por soldadinhos bolivianos cansados da marcha. Precisam ser alimentados. Precisam do pó boliviano para marchar.” E por falar em América Latina, este continente viveu na década em questão um período de aberturas democráticas, conjugado com o mergulho na crise de suas economias. Foi a chamada década perdida. Vimos o “trailer” de todas as mudanças chamadas “pós-modernas”, aqui no Brasil. Para os estes “anos yuppies” ou pós-modernos, posso sugerir uma epígrafe: “It is Hip to Be Square”, da banda Huey Lewis and the News, que colocou uma canção com este nome nas paradas de sucesso, junto com outras de suas músicas, como “The Power of Love”, do filme De Volta Para o Futuro; ou seja, é legal ser careta nos 80. / Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior