sábado, 18 de outubro de 2008

A ARTE DE DIZER " NÃO ! "

Certas coisas deveriam ser óbvias mas são de difícil assimilação. Por exemplo: por que somos obrigados a gostar de alguém ou das pessoas em geral? Por que as pessoas têm que gostar da gente? Por que temos que ser sempre simpáticos e agradáveis? Por que temos dificuldade em discordar das pessoas? Por que temos que respeitar a opinião dos outros? Por que o outro tem que respeitar a nossa opinião? Por que devemos rir de piadas que não entendemos ou que entendemos e não achamos graça alguma? Por que nos enfiam na cabeça essa cultura? Enfim, por que temos tanta dificuldade em dizer “não” ou ouvir um “não”? E por que temos que dizer “não”? Ok. Temos que ser sociáveis na medida que vivemos em sociedade. É mais fácil sorrir para o outro achar que está tudo bem, senão ele vem perguntar e a gente tem que explicar. Também não custa nada dar uma ajudazinha já que você está ali mesmo e a pessoa está em dificuldades. Concordar rápido com alguém, principalmente dizendo que a pessoa está coberta de razão, faz com que ela pare de falar tantas asneiras e argumentar imbecilidades. E também, pensando bem, podemos não rir da piada mas do fato do ridículo não saber nem contar uma piada. No final ele vai achar que é da piada e, antes que comece a contar a próxima, podemos arranjar um compromisso urgente, nem que seja uma tremenda diarréia. Todavia, fora esse besteirol da vida cotidiana, há horas que precisamos mesmo dizer “não” e parece que tem uma coisa que impede. Parece que engasgamos. Por que temos que ir tomar um choppinho amigo com o amigo do outro se você nem gosta de chopp e muito menos daquela batata frita murcha que ele costuma pedir? Só porque ele vai insistir? Ora, insista que você não quer ir. Tubo bem: comece dizendo que não pode, depois que tem um outro compromisso e depois, se o chato insistir diga não quer ir e fim. Afinal você já tinha dado uma negativa. Ele que insistiu para ouvir a frase pior. As pessoas que dizem “não” firmemente, olhando nos olhos do pedinte, costumam ser mais respeitadas. Mostram mais liberdade de ação e, como são minoria, impõem respeito. O princípio que deve ser usado é o da liberdade. Não vou, não faço, não falo, não dou, não empresto porque eu não quero. É ridículo, de certa forma, toda hora dizer que não posso. Que tipo de limitado serei eu que não posso ir, não posso fazer, não posso falar, não posso dar, não posso emprestar? Se tiver um dom para a ironia pode tentar um “porque deveria?”. A questão não passa pelo campo da solidariedade. Eu costumo dizer que amigo de verdade não é aquele que te empresta dinheiro quando você pede, mas aquele que vê a sua necessidade, te oferece o dinheiro necessário e nunca te cobra. Aí é que você descobre quão poucos amigos você tem. Porque, via de regra, amigo que empresta dinheiro só o faz porque tem sobrando e se você não pagar é até melhor porque nunca mais vai lá pedir de novo. É um chato a menos. Fica até barato.
Mas há pessoas que nos pedem emprestado mais que dinheiro. Pedem o nosso nome, o nosso crédito, a nossa credibilidade. Têm o nome sujo no SPC ou SERASA e então pedem que compremos para pagar as prestações. Ou pedem um cheque para dar em caução. Ou querem aproveitar aquela oferta em 10 vezes sem juros no cartão, mas não têm cartão de crédito, e então pedem para usar o seu. Minha empregada vive se ferrando com essas coisas. Trabalha como diarista em diversas casas e não tem nem comprovação de renda, mas tem um nome limpo e honrado, paga tudo o que deve pontualmente e ainda não consegue negar quando lhe pedem para comprar em seu nome. Depois, por mais de uma vez que eu saiba, teve que pagar a conta da outra e ficar praguejando de raiva. Depois aparece outro com aquela conversa mole e ela acaba cedendo de novo. A lógica é simples. Não se empresta dinheiro porque é seu e para seu uso. Quando achar que deve emprestar a alguém vá lá e ofereça. Aos que te pedem diga “não”. Não se empresta carro porque é um bem de alto valor e, mesmo que a pessoa dirija bem, alguém pode bater no carro, ele pode ser roubado, etc e tudo. Não se empresta crédito porque se a pessoa tem o nome sujo é porque é mal pagador. Se não teve cuidado com o nome dele por que haveria de ter com o seu que nem é parente? O banco é o melhor conselheiro. Quando um banco não quer emprestar dinheiro a uma pessoa não empreste porque é fria. Banco vive disso e conhece de longe, pela prática de anos a fio, quem paga e quem não paga, ou, sendo mais diplomata, quem acha que poderá pagar mas não terá condições reais e acabará falhando. Certa vez vi uma pessoa pedindo dinheiro a outra que ficou meia hora explicando as razões que não podia, porque não tinha, etc e tal, quando podia logo dizer que não e fim. Era para comprar uma bobagem e ficou muito aborrecida com a negativa. Poucos dias depois fui à casa da pessoa e vi que nem leite para a filha dela ela tinha. Sem dizer nada fui ao supermercado, comprei uma caixa de leite e levei para a pessoa que ficou muito grata, etc. Estava numa situação de dividir um miojo para dois filhos e ainda ia pedir dinheiro para a outra para comprar futilidades. Sorte dela que não veio pedir dinheiro a mim ou ouviria um sermão enooooorme. Se seu chefe lhe pedir para fazer hora extra em cima da hora e você não puder, diga “não” ao chefe e não à outra pessoa com quem você tinha um compromisso agendado antes. Emprego não é escravidão. Se tivesse combinado antes, ou se você estiver à disposição e com vontade de ganhar um dinheiro a mais, diga “sim” porque é bom pra você. Mas não é justo ser constrangido a aceitar uma coisa que não estava combinado e que você não está com vontade ou disposição de fazer. Tenha certeza que não será despedido por isso se disser com firmeza e educação. Se for servil será explorado para sempre. As pessoas que dizem “sim” ou “não” porque querem e estão convencidas que querem ajudar o outro, ou fazer companhia, ou o que seja, agem dentro do bom senso. Aqueles que se obrigam a fazer porque fica chato dizer “não” na verdade não se respeitam. E isso é uma grande besteira. Se alguém só for seu “amigo” se você nunca disser “não”, melhor não ter esse amigo. Amigos assim são plenamente dispensáveis. Aliás, quanto mais longe melhor. /Zé Caparica