sábado, 18 de outubro de 2008

DINHEIRO E DELÍRIO !

Há coisas que povoam a mente dos humanos em qualquer parte do mundo. Uma delas é ganhar na loteria e ficar podre de rico de uma hora para outra. Se o Estado não promover tal jogo, outros o farão. Aliás, sempre que o Estado não funciona, entra alguém paralelamente para fazer funcionar. Vou dar dois exemplos. O SUS deveria ser a falência dos planos de saúde privados. Afinal deveria ser um “Sistema Único de Saúde”, ter qualidade e atender de forma igual o pobre, o médio e o rico também. No Canadá e em outros países é assim. Não há empresas de saúde privada. Todos vão para o mesmo hospital serem tratados de forma igual. Mas o Brasil trata as pessoas feito animais, ou pior que isso, e então para se garantir uma coisinha mais decente gastamos nosso dinheiro com planos de saúde. Depois o governo vai e cobra imposto do plano de saúde e fatura o dele em cima também. A mesma coisa se dá com a educação. Nos países desenvolvidos os governos gastam tudo o que podem com a formação básica do indivíduo, ou seja, até o 2º Grau. Depois cada um que pague sua faculdade. Afinal faculdade é profissão. Cada um escolha a sua e pague para aprender. Nesse caso, nos países desenvolvidos, há empresas de poupança dedicada a isso na qual se poupa para a faculdade do filho desde o nascimento. Assim, quando chegar a hora, terá dinheiro para fazer qualquer curso. No Brasil o governo optou por enfiar quase 80% das verbas da Educação nas Universidades, de forma que pouco sobra para o ensino básico. Daí vêm as escolas particulares e ocupam o espaço, dão boas aulas, cobram mensalidades altas, preparam o aluno para estudar de graça na Universidade, e depois o governo vai lá, cobra impostos das escolas e fatura em cima também. Até tenho um exemplo extra. Onde já se viu ter tantas empresas de segurança privada? Para que temos polícia então? E o governo ainda autoriza o uso de armas de fogo. Colocam aqueles despreparados mal pagos para vigiarem bancos, etc. Isso não existe. Não faz sentido uma família pagar vigia para sua casa. O governo precisa vigiar a cidade inteira e não dar espaço para os bandidos. E assim aconteceu o contrário com o Jogo do Bicho. Para se promover a visita ao Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, no início do século passado, inventou-se uma loteria rústica, onde a pessoa apostava a quantia que quisesse num dos 25 bichos determinados. Cada bicho correspondia a 4 números, o que dava um total de 100 números. Assim o Avestruz garantia os números 01, 02, 03 e 04, a Águia o 05, 06 07 e 08, etc, até a Vaca que finalizava com o 97, 98, 99 e 00. Quem apostasse na Vaca, e desse um dos 4 números, levava 18 vezes o valor apostado. Apostavam quanto queriam ou podiam, e até o que não podiam. Jogo é jogo, vicia e faz mal. É uma doença muito grave em alguns casos. Mas faz parte da vida. No Brasil as pessoas ou o governo acham que ao se proibir se resolve o problema. Não resolve. Os cassinos foram proibidos, mas há cassinos clandestinos aos milhares no Brasil, com roleta, carteado e o que for necessário. Da mesma forma, como não havia controle sobre o jogo do bicho, que ao fazer sucesso no Rio de Janeiro se espalhou para todos os cantos do Brasil, resolveu-se proibir. Coisas do ex-presidente Jânio Quadros. Ele foi o proibidor mor do Brasil. Tudo o que ele proibiu continua proibido mas, ao mesmo tempo, continua funcionando. É o caso da briga-de-galo. Então, para suprir a “falta” do jogo do bicho criou-se a Loteria Federal em 1962, dada para ser administrada pela Caixa Econômica Federal, que tem o monopólio do jogo legal no Brasil, ou seja, as loterias. Era só a Loteria Federal, mas em 1970 criou-se a Loteria Esportiva, onde a finalidade era acertar quem venceria 13 jogos de futebol propostos, ou se daria empate. Ganhar na “Esportiva” virou fanatismo e sonho de liberdade e riqueza. Quando ninguém acertava os 13 pontos acumulava, etc. Ora, vejamos: Além da Loteria Federal e da Esportiva, que hoje tem o nome de Loteca e algumas regras diferentes, a Caixa já inventou mais seis loterias para o brasileiro gastar dinheiro em jogo. Fora essas duas ainda há a Mega Sena, a Quina, a Lotofácil, a Lotomania, a Dupla Sena e a Instantânea. A CEF administra oito maneiras do brasileiro jogar dinheiro fora, torcer para ganhar mas as chances são sempre ridículas, e o governo fatura uma montanha de dinheiro. O Jogo do Bicho era mais santo e puro. Saibam os senhores que o cidadão brasileiro compromete uma parte tão significativa de seu orçamento em loterias, que o valor das apostas é computado no cálculo da inflação, como os gêneros alimentícios, por exemplo. Uma parte menor é destinada aos prêmios, uma parte razoável é destinada a ações socias do governo, e um tanto bom fica para a CEF cobrir seus custos. Imagine a quantidade de casas lotéricas, mais a rede de computadores, etc. É muita grana. Loteria sempre empregou muita gente. Desde a época em que o Jogo do Bicho reinava sozinho, tinha os apontadores, que anotavam as apostas e davam o dinheiro para o banqueiro, e pagava o prêmio aos ganhadores. Qualquer esquina, uma cadeira e ali estava um ponto de apostas. Hoje, quando não é tão público, se joga em qualquer boteco de periferia. Não há bar onde não se possa jogar no bicho. Ainda muita gente vive ilegalmente do Jogo do Bicho, e a quantidade de pessoas empregadas legalmente nas lotéricas também é significativo. O problema moral, e aí a coisa tem que ser vista com atenção, é que se o Jogo do Bicho foi proibido porque as pessoas jogavam mais do que podiam e se viciavam e “destruíam lares”, com oito ofertas da Caixa a coisa só piorou. É só acumular a Mega Sena que faz filas enormes nas lotéricas em busca do sonho interminável e quase impossível de ficar milionário do dia para a noite. E os que gostam, obviamente, além de jogar nas loterias da Caixa, continuam a fazer a tal da “fé”, ou “fezinha”, no bicheiro mesmo que é cultural e tem outro sabor. Aliás, como lembrava o filósofo Tim Maia, no Brasil existem coisas surpreendentes: Bicheiro é honesto, as prostitutas gozam e os traficantes consomem drogas. Não faz sentido. Os bicheiros poderiam manipular e mesmo não pagar os prêmios, mas se organizaram de uma tal forma que não há caso que eu saiba de alguém que tenha ganhado no Bicho e não tenha recebido seu prêmio. Eu mesmo, que joguei poucas vezes, só fui premiado na primeira vez. Joguei, tipo, 10 reais no Camelo, deu Camelo, e no dia seguinte o apontador foi me entregar os 180 reais na minha mão. As prostitutas deveriam só fazer seu cliente se satisfazer, mas são tão dedicadas que participam e tiram o clima comercial da coisa. E a última coisa que se esperava de um traficante é que ele mesmo fosse se viciar e consumir a mercadoria que precisa vender. Coisas do Brasil. Enfim, a finalidade dessa crônica é meditar sobre o seguinte. Se reclama que se paga imposto demais e se recebe de menos. É verdade, mas se recebe alguma coisa. As ruas são asfaltadas, o lixo é recolhido, os hospitais são ruins mas existem e as escolas também são péssimas mas há as melhores e as piores. Mas há. E imposto é imposto. Não se pode optar por não pagar. Mas pode-se optar por não jogar e aí o que se faz é fila para se dar dinheiro ao governo. E em troca de quê? De uma chance em 50 milhões no caso da Mega Sena. Ou seja, ZERO! É mais fácil, de verdade, você cair da cama e morrer que acertar sozinho na Mega Sena. Mas, “quem não joga não ganha”, “o raio pode cair sob nossas cabeças”, e outras tantas justificativas verdadeiras mas fantasiosas fazem com que muita gente acabe jogando demais e até comendo de menos. Confesso que quando acumula e o prêmio é alto, eu também faço UM joguinho mínimo de R$ 1,75, caso “o raio caia na minha cabeça”. É preciso estar preparado para os imprevistos. Mas o que se vê nas filas são pessoas com dezenas ou centenas de apostas, mais os bolões e outras formas de ludibriar a patuléia com a história da sorte que pode bater à sua porta. É irracional e, justamente por lidar com essa parte irracional das pessoas que o Estado deveria ter mais juízo, não ser tão voraz e oferecer menos “chances” de riqueza fácil. O nome disso, se não me falha a memória, é exploração da fé alheia. Já não bastam as igrejas dizimistas e suas promessas de riqueza em vida pela graça de Deus. Já não bastam as ilusões de se casar com um príncipe encantado, fazendeiro e próspero que no fim não vira nada. Isso são ilusões da vida. Contra isso ninguém pode fazer nada. Já o que o governo faz com as loterias é desonesto e meio, digamos, cafajeste. Ajude-se, jogando menos e sendo um pouco mais sensato. Jogar esse tanto em loteria e rasgar o dinheiro dá quase na mesma. A diferena é que ao invés de rasgar você estufa os lucros da Caixa Econômica Federal e suas jogatinas baratas. /www.zecaparica.com.br